Uma Lolita amadurecida

- Portanto, sou total, absoluta e integralmente contra a intervenção desse prefeito do Piauí que insiste em deturpar o trabalho dos artesãos, contrariando seus preceitos para estimular uma atividade voltada ao turismo, que desintegra a identidade local e destrói o patrimônio imaterial daquele povo, concluiu a professora cuja voz de sereia emanava um convite de afogamento num mar de volúpia.

Sentado na quinta cadeira da terceira fila, o estudante de história olhava fixamente a explanação sem entender o que seria patrimônio imaterial muito menos as relações problemáticas entre artesãos e prefeitos do Piauí. Prefeitos ou prefeito? O que importava?

Ao fim da conferência proferida numa plenária da associação de funcionários ou de colaboradores ou de alunos da universidade, desceu elegantemente as pequenas escadas, cruzou a divisória entre convidados e palestrantes:

- Olá.

O sorriso atraente da professora (pelos cálculos, mais ou menos quarenta e seis anos de idade, frescor de vinte e cinco e corpinho de dezoito) engessou as palavras do aluno que, mal articulou um clichê, perdeu a oportunidade de discorrer elogios e de convidá-la para um fim de semana em Curitiba.

Provavelmente responderia que não poderia fazer isso, que amava o marido, não tinha coragem. Indubitavelmente ele reuniria todos os argumentos possíveis e impossíveis para passar um fim de semana na capital paranaense.

Sexta, sábado e domingo. Antes das oito da noite de domingo de volta. Ficasse tranqüila, não a procuraria mais. Duas noites de amor, dois dias caminhando pelas ruas curitibanas, cinemas, cafés, teatros. Como ir a Curitiba e não visitar um teatro? Até faria um curso, se preciso fosse, de patrimônio. Patrimônio? Ela queria enriquecer? Enriquecer no Piauí? Com trabalho artesanal?

Quarenta e seis anos, frescor de vinte e cinco, corpinho de dezoito. Como gostaria de falar ao ouvido as três idades e os dois adjetivos. Suavemente. Delicadamente. Sussurradamente.

Por um motivo ou por outro, sabendo dos poucos dias na cidade, como partir sem beijá-la? Se Nabokov tratara de um dos mais famosos temas da história literária configurando o desejo de um homem maduro no entrelaçamento com uma adolescente, por que não inverter o enredo? Um aluno jovem numa tentativa de romance com uma professora de quarenta e seis, frescor de vinte e cinco, corpinho de dezoito?

- Você está louco? O que você vai fazer? Perguntava o amigo que enumerava os motivos da inviabilidade da iniciativa: três filhos, ama o marido, independente, fina, educada, dispensa os homens da idade dela, por que daria ouvidos a um moleque sem dinheiro como você? O marido dela vai te encher de bala!

- Sempre quis ser uma peneira! Já imaginou chegar ao céu e encontrá-la dando-me as boas-vindas?

- Boas-vindas em francês. Você precisa vê-la falando francês.

- Deve falar francês deliciosamente...

Pulou algumas cadeiras, avançou diante dos olhares de alunos, professores, conferencistas e convidados remanescentes que, boquiabertos, esperavam tanto um espetáculo macabro quanto um desenlace romântico.

Ela protestaria, se indignaria, reagiria, gritaria, tentaria meter-lhe a mão na cara, afinal era casada e amava o marido, mas a segurou, rápidos olhos nos olhos, aproximou os lábios...

- Escuta! Não vais pra faculdade? Até que horas vais ficar deitado? O sol já está alto...

*Publicado originalmente no Jornal de Assis (Assis – SP) de 13 de novembro de 2008.