SOMOS TODOS POETAS
Ter a poesia como lenitivo é um privilégio que a natureza oferta a nós, poetas. Sim, sem falsa modéstia, somos poetas!... Somos todos poetas que se refugiam em seus úteros incorpóreos onde moram suas dores e seus sonhos mais recônditos. Somos gestantes que nem sempre parem o rebento que suaviza o espírito.
É divinamente salutar buscar alívio nesse ser energético que brota do íntimo nos momentos de agruras, de emoção vivaz ou de reflexão que levam ao parto; esse deus que impõe suas poderosas mãos sobre nossas dores, nossas indignações, desata as amarras que nos tolhe a liberdade e nos faz alçar vôos prazenteiros. A poesia abranda, suaviza, consola, acalma; quando parida, opera verdadeiros milagres em quem a dá à luz e em quem a recolhe. Ah, a poesia! A poesia está além do ser, além da linguagem, além das convenções, além do sentir...
Nem sempre percebemos o quanto ela está presente na nossa vida, nas nossas criações, nas nossas ações cotidianas, nos nossos projetos pessoais, nossos devaneios, nossas fantasias... Somos todos poetas não apenas porque somos poetas, mas, sobretudo, porque somos poesia. Precisamos atentar apenas para o fato de que alguns poetas sabem que são poetas e assumem essa condição, enquanto outros o são sem saber.
É assaz conhecida a incomensurável força que a poesia possui, mas nem sempre sabemos canalizar essa força para se somar à nossa energia vital. Poesia é vida, logo, o simples ato de viver, de per se, já é poetar. É preciso, entretanto, desvelar o véu que impede o poeta de se ver como poeta e aprender a poetar parturiente, paridor do que se sente (amante do que se pare). Parir poesia é levar ao outro um pouco de si; por isto, é preciso permitir-se parir e mostrar ao mundo essa prole que propaga vida.
Quantos de nós buscam o lenimento patológico nos cálices envenenados? Atos ilusórios, auto-destrutivos, geradores de dores tão cortantes quanto as dores que os geram... São dores que solapam a alma como a ferrugem que corrói a folha-de-flandres: busca infrene de se aniquilar a racionalidade e a consciência que apontam com o dedo em riste. E as dores advindas do infecundo cálice se somam às dores que conduziram o poeta a ele. Ora, o remédio para esse mal está dentro de cada um: basta abrir os olhos para ver a poesia que pulula, saltita dentro de si, o tempo todo, à espera do parto.