SIGNOS DE UM TEMPO SEM GLÓRIAS

Depois dos três anos na cadeira de rodas, paira sempre em torno de tudo a dependência emocional dela, infinitamente pior que a dependência física. Meus joelhos, particularmente o direito, desgastados; úlcera, nódulos, dívidas, dúvidas, pavores. O medo infinito de cair, de quebrar outros ossos. A dor na coluna. A dor nos ossos da alma. Agora, os votos de clausura, atenuados pelas aulas particulares.

Cecília, enquanto lhe é possível (em breve o deixará de ser) me acompanha ou melhor, me guia, pelos caminhos do supermercado, dos bancos, dos médicos (...)

Vida demasiada para evocar...para doer...Vida sem anestesia.Apesar ou por causa do livro de poesia recém-publicado, com o título - irônico? - Flores do Outono. LEMBRA-TE DOS SEM-TRABALHO, DOS SEM-TETO, DOS SEM-ASSISTÊNCIA, DOS SEM-FAMÍLIA E JAMAIS, JAMAIS TE ESQUEÇAS DE TUA MÃE.

Às vezes, o Geraldo, cúmplice de uma vida inteira, aparece, com o seu coração combalido, as quatro pontes de safena ( uma entupida), com o que lhe ficou da esperança; uma por vez, quatro mosqueteiras amigas que, dentro do possível, retiram-me um pouco daqui; o Fernando, bem mais jovem que nós todos, estudante de Direito Internacional; Rubem, com a sombra nos olhos dos filhos mortos neste início de milênio, chega - três vezes no tempo das últimas doze luas completas - e "ficamos".

Daniel...bem...de Daniel só devo dizer que nos falamos, nos correspondemos por email, nos vemos nos lançamentos de livros, nos cumprimentamos nos respectivos aniversários, nos solidarizamos nas doenças dos íntimos e nas próprias, nas mortes comunicáveis, como se tudo fosse normal. Como se, pois ainda hoje estremeço quando toca o telefone, sem contar que o tempo dos relógios jamais reconquistará, no meu reino, a coroa de Imperador.