TECNOTRANQUEIRAS

Dia desses precisei preencher uma dessas muitas fichas que passam por nossas vidas.

Tudo ia bem até que me foi pedido o numero de meu celular... Respondi:

- Não tenho celular. Apenas telefone fixo!

Deus amado! Senti-me como um criminoso de guerra. Achei mesmo até que tinha virado algum tipo de ET ou coisa parecida. A atendente me olhava com espanto e horror. Seu rosto transfigurado foi ficando vermelho..cinza.. inchando e numa hecatombe assustadora do alto de seus 20 anos me disse:

- Como o senhor vive sem celular? Olha só, é a primeira pessoa que encontro em toda a vida que não tem celular. Pensei comigo “se ela tivesse já toda essa vida talvez conhecesse mais alguns.”

Mas resolvi completar minha ficha e como um peixe fora d'água fui-me embora decidido a entrar na primeira loja e comprar um desses malditos aparelhos.

Avistei uma lojinha na esquina seguinte e por lá parei.

- Boa tarde, posso ajudar? Indagou-me uma linda jovem toda uniformizada.

Fiz meu pedido orgulhoso de entrar para tão seleto grupo composto pela maioria da humanidade.

- Quero um celular senhorita. - Respondi -

- Qual modelo senhor?

- Um que ligue para outros telefones. - Completei -

A jovem ressabiada me olhou de rabo e lançou mão de uma dúzia de opções.

- Temos da TOKIA..ACEROLA..SIMAO...ELEGE e outros senhor.

- Tanto faz moça. Quero um barato.

- O senhor quer com câmera 1.3 ou mais megapixels?

Um silêncio tomou conta do ambiente. Tive medo de perguntar, mas não segui meus instintos.

- Para quê serve isso senhorita? - Perguntei -

- O senhor não vai tirar foto? E eu...

- Do celular?

- Não meu senhor. Foto das pessoas.

- Mas não quero tirar fotos... Quero falar com as pessoas.

Ela contrariada me perguntou se eu queria um com MP3 e disse:

- Vem com fone de ouvido e som estéreo.

Fiquei me imaginando dançando na rua enquanto ia para o trabalho e achei melhor declinar da oferta.

- Minha jovem eu apenas quero um celular que fale.

- ahhh! O senhor quer um com viva voz. Por que não disse antes? Nós temos com bluetooth...WAP...acesso à internet e...

- PAREEEEEE! - Gritei -

- Não quero com nada disso. Quero um que eu possa ligar para alguém e só!

- OK, senhor. Prefere com flip ou teclado virtual?

Cansado e vencido resolvi comprar um básico oferecido por ela. Tirava fotos... Tocava música... Mandava e-mails e mais uma série de bobagens tecnológicas prontas a nos emburrecer.

Saí dali correndo antes que algum novo lançamento chegasse, e sentei-me num confortável banco de praça.

Ali, à sombra de uma frondosa árvore, preparei-me para minha primeira ligação.

Sentia-me não mais um ET e sim um novo membro da sociedade.

Disquei para casa eufórico e trêmulo de emoção.

O som suave do toque de espera não agredia meus ouvidos. Relaxei...

E enquanto uma pomba cagava em minha cabeça a voz metálica da mensagem avisava:

“Temporariamente fora de serviço ...”

Entendi por quê celulares tem tantas opções!