Espumante & Telefone

Espumante & Telefone

suzabarbi@hotmail.com

- O mundo só gira a sua volta se você estiver bêbado!

Freou o carro e o mandou descer.

Ele bateu a porta e soltou um sonoro: “vai te catá”.

Ela não foi.

Foi, sim, para o primeiro café que viu pela frente e pediu um chá gelado.

Pensou na sua vida dali para frente.

Jogo de peteca com aquela turminha insuportável, nunca mais.

Estaria livre das veias arrebentadas nas mãos, na luta de tentar jogar aquela coisa cheia de penas de um lado para outro da rede.

Almoço de domingo na casa dos futuros sogros, idem.

A possível sogra não fazia a menor cerimônia de demonstrar que não gostava dela.

O possível cunhado, cheirando a cerveja, com uma conversa cheirando a cantada.

Programinha de amargar...

Lar doce lar nos próximos finais de semana.

Os planos incluíam: televisão, com monopólio do controle remoto e uma cama e-nor-me, agora só para ela.

Para a sexta-feira planejou um espumante com a melhor amiga.

Floriu a casa e esperou.

Quando ela chegou, não faltaram abraços e risos. Mas, antes da segunda taça, a amiga comunicou que, bem naquela noite, tinha um encontro.

- Me amarrota que eu estou passada, ela pensou.

Ficar sozinha, no início da noite, definitivamente não estava nos seus planos.

O jeito foi abrir outra garrafa e já no final da segunda resolveu dar uns telefonemazinhos.

Acordou no sofá, vestida de ontem, sem saber se o que escutava era sirene ou buzina.

Era a campainha do telefone.

De gatinho, passou a procurar o danado.

Encontrou-o no banheiro.

Mais precisamente, ao lado do vaso.

Não podia imaginar o que o telefone fazia ali mas precisava atendê-lo, antes que aquela campainha a fizesse pular do terceiro andar.

– Por que você me chamou de traíra ontem? A amiga perguntou.

Ela não entendeu.

– Nunca mais me ligue às três da manhã para me falar isso, ouviu?

– Desculpe, mas eu não estou me lembrando de nada.

Ela estava enjoada, esgotada e sua cabeça parecia ter virado uma espécie barulhenta de gelatina.

- Desculpa de tonto é sempre a mesma: apronta e depois faz que nada fez.

Ela murmurou um sofrido humm.

– Humm, né? Como teve coragem de dizer aquelas coisas horríveis sobre mim? COMO?

– Não grita, pelamordedeus...

– GRITO QUANTO EU QUISER! E de tudo o que você me falou, o que mais me machucou foi você me chamar de gorda. GORDA? EU??? Sua...sua...

E bateu o telefone.

Engatinhando, ela procurou o sofá e tentou se lembrar de alguma coisa.

Impossível.

Não tinha mais cérebro.

Suou frio quando o telefone tocou novamente.

– Acabei de contar para o meu irmão o que você acha dele.

– E o quê eu acho dele? Ela já tinha idéia da resposta.

– Ele adorou saber que você sempre o achou um espalha bolinho.

– Eu tomei espumante além da conta. Não estava no meu juízo perfeito.

– No seu juízo perfeito você nunca esteve! E te digo mais, se você me ligar novamente às quatro da manhã para desacatar a minha família, meto-lhe um processo nas costas.

Mais um telefone desligado furiosamente.

O quê mais sua boca maldita tinha dito?

Não demorou muito a saber.

No terceiro telefonema, ela escutou uma gargalhada.

- Está melhor? Uma voz masculina perguntou.

– Quem quer saber?

– Seu vizinho do 309.

Podia esperar pelo pior.

– Por que quer saber?

Outra gargalhada.

– Porque sei do que você precisa e tenho para te dar.

Era tudo que ela não queria ouvir.

Tudo, menos o vizinho...

– E por que você sabe do que eu preciso? Ela arriscou.

– Ninguém acorda ileso depois de três garrafas de espumante. Quanto ao que eu tenho para você: uma boa sopa. Apesar de achar que não, você ainda tem estômago! Posso ir até aí?

Ela não tinha mais nada a perder.

Concordou e em menos de dois minutos a porta se abria.

Se abria???

Naquelas alturas, ter dormido com a porta aberta era o menor de todos os seus problemas.

O vizinho, simpático e lindo!

Ela, acabada e zonza.

– Deve estar querendo saber como cheguei aqui. Amnésia de espumante... Menina, isto é coisa pra profissional!

Estendeu-lhe uma cumbuquinha cheia de sopa e continuou:

– Cheguei de uma viagem quase cinco da manhã. Minha chave caiu no corredor. Você escutou o barulho e abriu a porta.

– Como eu estava?

Ela temeu pela resposta.

– Bêbada, eu diria...

– E o quê exatamente eu fiz?

– Me convidou para tomar uma taça de espumante. Vi que estava precisando era de dormir. Ajeitei você no sofá e a esperei cair no sono para ir embora.

– Você quer dizer que isso foi tudo, tudo mesmo?

– Posso garantir que sim!

Definitivamente, ela estava na frente de um lindo homem. Agradeceu a ajuda e jurou não dar mais trabalho.

Mas deu.

Desabou a chorar.

E contou tudo a ele.

Todos os telefonemas.

Quando terminou, ele falou:

– Se ela realmente fosse sua amiga, teria vindo até aqui para cuidar de você e não achar ruim com aquilo que você disse à ela completamente bêbada. Amiga cuida. Nunca sai de perto. Quanto ao seu ex, deixe pra lá. Afinal, é ex mesmo...

Três meses depois, estavam morando juntos.

Os sogros moravam no interior e ele odiava peteca.

E por via das dúvidas, adaptaram um bafômetro no telefone.