De mãe para mãe
Walter Monteiro
Dona Matilde acordou com o mesmo cansaço de sempre: dor nas costas, as pernas doloridas e uma tristeza à beira da depressão. Rolou preguiçosamente na cama, pegou o controle remoto, sobre a mesinha de cabeceira e ligou a televisão, trocando os canais até o noticiário das sete, na Record.
A reportagem mostrava a rebelião na Febem, jovens correndo no pátio, tropas da polícia militar, fumaça no telhado e um refém ameaçado no alto da janela.
Ela ia desligar, quando outra cena lhe chamou atenção: uma senhora desesperada, chorando do lado de fora, entrevistada pela repórter:
- Pelo amor de Deus, gente! Não é justo transferir meu filho para tão longe! Será que o governador não se toca que está punindo é a gente?
Dona Matilde reconheceu a mulher como à mãe do menor que matou o seu filho e lembrou a cena do dia fatídico: o filho caído no chão da locadora, a poça de sangue em volta do seu rosto e a dor insuportável da perda.
As lágrimas salgavam seus lábios, quando ouviu a repórter perguntar:
- A senhora quer fazer algum apelo?
- Quero sim! Quero pedir ajuda da pastoral penal, direitos humanos, das Ongs do cárcere, da ONU, de Deus e de quem puder ajudar! Disse a mulher.
- A senhora pode dar o endereço para contato? Perguntou a repórter.
- É só escrever para associação dos moradores da favela dos “Filhos de Gandi”, dizer que é pra dona Mercedes, mãe do Binho, em Osasco, São Paulo.
Dona Matilde meneou negativamente a cabeça, anotou o endereço e desligou a televisão.
Três dias depois, dona Mercedes abria a carta de dona Matilde:
De mãe para mãe...
Vi seu protesto na televisão contra a transferência do seu filho da FEBEM, em São Paulo, para o interior do Estado e suas dificuldades em visitá-lo.
Observei o interesse que a mídia deu ao fato e vi que não só você, mas outras mães estão na mesma situação e contam com o apoio de Comissões Pastorais, Órgãos e Entidades de Defesa de Direitos Humanos, Ongs, etc.
Eu também sou mãe e posso compreender o seu protesto, até porque também é enorme a distância que me separa do meu filho. Sou uma mulher simples, ganho pouco e tenho as mesmas dificuldades e despesas para visitá-lo.
Com muito sacrifício, só posso fazê-lo aos domingos porque trabalho inclusive aos sábados, para auxiliar no sustento e educação do resto da família.
Felizmente conto com o meu inseparável companheiro que desempenha, para mim, importante papel de amigo e conselheiro espiritual.
Olhe você ainda não sabe, mas sou a mãe daquele jovem que o seu filho matou estupidamente no assalto a uma locadora, onde trabalhava de dia para pagar os estudos à noite.
No próximo domingo, ao abraçar e beijar seu filho, estarei depositando flores no humilde túmulo do meu, num cemitério da periferia de São Paulo...
Somos mães e sofremos, mas nunca apareceram representantes dessas entidades na minha casa ou cemitério para, pelo menos, me dar uma palavra de conforto e indicar “os meus direitos”, se é que os tenho.
Mesmo ganhando pouco e sustentando a casa, estarei pagando de novo o colchão que seu querido filho queimou, na última rebelião da FEBEM.
E para finalizar, gostaria que soubesse que ainda sofro muito, mas com o tempo terei paz...
Matilde.