10 VIAGEM PELAS ESCARPAS DO INFINITO
[“...Sem segredo nada é possível – nem amor, nem amizade” (Milan Kundera)]
Com o olhar de viés, à-toa, eu começo a me interrogar. Pelo caminho, vou extraindo a maiêutica das respostas. Aliás, só ressoam, meio ao rataplã das incertezas, os deléveis sons das interrogações. Embatuco, reticente, algumas vezes. Tropeço, ou caio, e me aprumo. Queimam-me as ideias de razão, explicáveis tão-só logicamente. Melhor viajar, escalar as ladeiras do imaginário.
Estás, ó homem ou mulher, iniciando uma viagem novinha em tua vida? Isto ocorrerá sempre que alguma nuvem de dúvida assaltar os ares de tua cabeça.
Não me ouso dar sugestões, nem a mim, nem a meus semelhantes. Reparai em torno de vós, todavia, amigos que tendes o descortinado o horizonte a vosso dispor. Então realizai a vossa mágica “tournée” espaço-temporal, felizes e suavemente, pelas escarpas do infinito. E alçai as vossas asas de sonho à imaginação do universo. Afinal, somos todos viajores do maravilhoso fictício.
Lá, além da linha deitada do visível, desfilam as mais belas, e as maiores e melhores ficções do real, que são as tragédias e comédias da condição humana. E o que seria a condição humana? Simplesmente o homem na ebulição do seu do seu vir-a-ser, na razão direta do segredo e do mistério em que se resume.
Se bem fitares, ó semelhante meu, para além das fronteiras do invisível, contemplarás as alvacentas areias do imenso deserto do Egito. No meio delas, pegadas desbotadas de um peregrino, e o camelo estoico com um místico escarranchado ao toutiço. Ou, acolá, sobressaindo-se, acima da torre de um campanário, os dedos esguios das pirâmides de Quéops e Ramsés.
Volvendo as vistas para o hemisfério sul, lá a Antártida glacial, os pinguins por sobre os capuchos de gelo. Diametralmente oposto, no hemisfério norte, o rumo dos dinossauros e dragões bélicos e mortíferos. Vais dar de encontrão com a coroa e o braço de fogo erguido da estátua da Liberdade, no país ianque. Mas que “liberdade”, se, pelo asfalto do Harlem nova-iorquino, tomba uma criança de cor, e esperneia, e se esvai em sangue, fulminada por mil balas de um pelotão policial? Pelo menos, na Candelária, não houve escolha pela raça áfrica.
Sem pressa, passeando fixo o olhar por sobre o dorso da velha Europa, quantas e quantas obras-de-arte e civilizações bonitas para serem, com força, vislumbradas! Os rios Tejo e Sena escorregam branquinhos como champanha de prata ao quebrar-se do cristal. Em Paris, a torre Eiffel espicha-se tão de leveza que imprime a expressão delgada de uma vareta de latão muito preguiçosa, a dançar valsa vienense.
Ah, no Brasil, grafia inclinada mais para “z”, menos que à altura do cangote do mapa-múndi, a selva tropical da Amazônia adorna quaisquer olhos, mormente se afogados de ternura, tal é a paz que resulta do verdume. Contudo, no bucho da floresta hostil, uma indiazinha minguada acaba de parir um macho, taurino e nutrido como toda cria dos Caiapós do Norte e Centro-Oeste. E a saudação de alegria da tribo alertou alarido de magoar o silêncio. Nadando na rama do Mar-Dulce, que invadiu os igarapés, ver a mansidão do sete-estrelo, a vitória-régia faz um “strip-tease” da lindeza.
O Cristo-Redentor, metido a prior de moleques de rua, pimpão, por já ser uma das maravilhas do universo, agorinha mesmo pegou no flagra, em plena avenida de Nossa Senhora de Copacabana, o pardavasco que cometeu falta de assalto contra uma senhora gorda. Não necessariamente que a culpa fosse dele, pardavasco, o qual se fazia acompanhar por um cúmplice que se safou, um sujeitão maior de corpo e alourado. Tomara que o santo de pedra não puxe demais a orelha do garoto. A igreja da Candelária parece ainda andar sisuda. Também, chorou à beça os meninos mortos (sete e mais um) do Rio de Janeiro, espingardeados bem ali, no seu patamar.
Poderias ir apreciar os esquimós, no Polo Ártico, se quisesses. Que, também eu, se quisesse, não tenhas dúvida, num átimo, iria espairecer as pernas da visão nas planuras da Patagônia, visitar os ápices dos Andes, talvez banhar de sol as meninas-dos-olhos, ali nas costas da Paraíba, lá onde dormita o Cabo Branco, com seu farol de atalaia. Mas bom mesmo é a gente aterrissar, como lunático ou marciano, numa paisagem bucólica do Cariri.
Entediado de ausência, jururu de espera, mas ensopado de esperanças, assim que estou, de novo. Por isso, sem precisar de bater pernas de faz-de-conta, sem me perguntar nada nem arguir vivente algum, sem questionar sequer que existo, almejo apenas refugiar-me a bordo do sorriso de Adla, para, daí, afugentar-nos a solidão. Num após, amando-a para valer, onde e quando, no gesto mais humano, besta e mais babaca, porém mais terno desta vida, enleado em seus braços..., ah, em comum acordo, os dois, a gente resolve o que fazer no devir.
Fort., 08/11/2008