DOS CALIPEIROS ÀS LUZES DO PROGRESSO (reedição)

Da varanda,

Em sua cadeira de balanço,

Ouvindo na estação da rádio Difusora

As músicas sertanejas elevando

O amor à altura dos calipeiros...

Via-se lá longe as luzes do progresso

Que se aproximavam, dia após dia, noite após noite, inexoravelmente,

Nas companhias, a conversa do novo, dos lançamentos da moda,

Dos novos maquinários, das novas sementes,

Na mão os calos pelo cabo da enxada

Na pele queimada, o ardor do sol

A prosa misturada ao velho do passado,

Dos amigos que se foram, das doenças invisíveis,

E das fatalidades na labuta e nos caminhos da roças

O orgulho pelo cachorro perdigueiro, pela engorda do porco,

Pela criação das galinhas e o mar de ovos....

As cobras venenosas, as aranhas caranguejeiras,

A taturana e o porco espinho..

O tatu que não fugiu a tempo

e o cozido que deveria ter mais sal,

O tiro certo por dentre as folhas da embaúva

E o jacu à beira do caminho no aguardo do cinto triunfal

A pescaria dos bagres nas tardes de tempestades

A deságua dos tanques e as traíras fenomenais

As peladas nos campos da várzea e os gols que ninguém viu...

Na lembrança, as peraltices dos netos,

Dos afazeres cotidianos, dos bailões, dos namoros às escondidas,

Dos filhos amados,

O conserto das cercas, o gado que foge, a semeia do arroz,

E o progresso se aproximando....

Os filhos casando, o mato crescendo, o arroz espigando,

O gado fugindo e os filhos partindo...

O rio escorrendo por filetes d'água,

As brânquias dominando o leito do rio..

E o jasmim perfumando os pastos espigados pelos araçás

No leito veio a vida e do leito a vida foi,

A doença vence a luta e o corpo descansa

Mas a vida vence, pois o amor foi deixado para quem ficou

E o sol renasce por entre os montes verdejantes

E a vida segue para quem ali cresceu,

Poucos ficariam, muitos partiriam para a cidade

As plantações misturando-se ao mato

As conversas amiúdas, esparsas,

As visitas desavisadas e sem hora

De chegada e de partida,

Muitos choraram, mas todos concordaram,

Aquele cenário fará parte de um passado,

E melhor seria repartir o legado, transformando a saudade dos tempos passados em números que mudaria o presente e o futuro,

E assim fizeram e se fizeram construções, se compraram objetos e vestuários, terrenos e materiais de construção.

e de costas para o passado se olhou o futuro e o presente se fez,

A vida seguiu, na verdade ela nunca parou,

E só vai parar quando o sol se por, a noite chegar o dia tardar...

Mas, quem chegou foi o progresso,

Que nos colocou sobre pneus, aproximou o mundo, iluminou as estradas e os ambientes, conservou os alimentos, trouxe os jogos da seleção lá do exterior e também as imagens da guerra quase instantaneamente

Invadiram nossas casas e com seus abalos e vitórias os nossos corações,

Criaram a ansiedade no meio, o medo e a fantasia

e tornaram nosso mundo pequeno, assim como nosso coração que se tornou insensível

e de carência permanente.....

Aquele tempo nunca mais voltará,

Aquelas estrelas que brilhavam nas noites de inverno salpicadas ao relento,

Os morcegos que cruzavam o céu enegrecido e nos confundiam os sentidos

Ao sibilar das varas de bambus...

Nossa sensibilidade pelos encantamentos das conversas,

Na penumbra dos sonhos,

Isto nunca mais voltará

Ganhamos conforto, novos amigos, filhos, companheiros e companheiras, vizinhos

Mas aquela luz lá longe que varria a noite

Feito olhos de fogo na escuridão e Que criava a fantasia dos dragões

Não nos espantará mais e nem nos alimentará as visões

Se subíamos nas goiabeiras, nas jabuticabeiras e nos pés de tangerinas,

E ali nos fartávamos, hoje nos supermercados nos satisfazemos

Sem o brilho no olhar e sem o sabor do frescor

Fizemos parte de um tempo, de uma era..... a era do viver

Nascendo, correndo, crescendo, subindo, pescando, caçando, plantando, colhendo, amando, sorrindo, chorando..... abraçando o mundo que nos viu florescer e amadurecer...

Robertson
Enviado por Robertson em 08/11/2008
Código do texto: T1273017