Um dia no hospital
Walter Monteiro
Acordei com a claridade do sol no rosto, rolei na cama e tentei reconciliar o sono, mas em vão.
Levantei, abri a janela e olhei céu; estava lindo, sem nuvens, tão azul que desejei ir à praia. Rapidamente fui ao banheiro, escovei os dentes, tomei banho e quando olhei o espelho me vi todo encaroçado. Os braços e pernas pareciam um cacto. Não coçava, mas fiquei assustado, principalmente quando a governanta arregalou os olhos e fez cara de nojo:
- Cruz credo, seu Paulo... Nem chega perto de mim... Isso é catapora!!!!
- Que catapora dona Lina? Parece que cheira! Já tive isso quando criança e fui vacinado. – Respondi sabendo que não mudaria de opinião.
- Sinto muito seu Paulo, mas to indo embora... Me liga quando estiver bom... Xau!
Devo esclarecer que “governanta” é só para agradá-la... Da última vez, quando irritado, a chamei de “macacolina” me processou e paguei dois meses de cesta básica para a Fundação Polívio Baiense.
Mesmo implorando para ficar, ela mudou de roupa, pegou a bolsa e largou a casa na maior bagunça, alegando “calamidade pública”.
Sem praia e sem governanta, passei o resto do dia na rede. Liguei a televisão, vi alguns filmes, mas não me concentrava. A cada instante uma bolha pipocava, poc...poc. poc.
No final da tarde, quando já parecia uma espiga de milho, resolvi ir ao hospital.
Subi lentamente a rampa, entrei na fila e depois de algum tempo fiz uma ficha, atendido por uma funcionária mais doente do que eu: reclamava de depressão. Acho que foi depois que recebeu o contracheque da Multiprof.
Preenchido o formulário, fui encaminhado à fila de espera. Tinha tanta gente que resolvi seguir o conselho da ministra Marta Suplicy: sentei na mureta, cruzei as pernas na posição yoga e, depois de muito meditar, descobri porque os usuários são chamados de pacientes...
Era quase meia noite quando fui atendido.
- Hummm, fez o médico. Olhou... Olhou e disse: - parece empertigo!
- Doutor... Disse eu - Empertigo sei que não é... Meu filho já teve e sei cuidar... E outra coisa: empertigo dá uma aguinha e onde escorre nasce outra. Não é meu caso!
Mas ainda em dúvida, ele chamou o outro médico, um jovem barbudo, com sotaque do interior paulista, da região que diz polca, polta.
- O que você acha?
- Não sei não... – Chegou bem perto e olhou atentamente o caroço: - Parece varicela ou empertigo!
- Empertigo o paciente já disse que não é... Mas se não é empertigo ou varicela... Disse o outro, retirando um livro da gaveta, a fim de dar um nome aos caroços.
– Deixa eu ver... Catapora não é... Varicela não é... Bexigas-doidas não é... Seu dedinho deslizava pelo glossário e ao final, sem encontrar nada, fechou o livro e disse gentilmente: - Olha só meu senhor... Vou passar benzetacil e encaminhá-lo ao dermatologista, tudo bem?
- Tudo né... Fazer o quê?
Peguei o encaminhamento e fui para casa com a nádega doendo, da injeção. Retornei no dia seguinte, com mais caroços.
Cheguei cedo e fui a outro guichê, no prédio abaixo, completamente vazio. Apresentei o pedido à funcionária e disse alegrinho:
- Quero ir ao dermatologista!
A atendente, uma fofa toda de branco, fez cara de médica e respondeu:
- Marcar consulta só mês que vem!
No momento fiquei surpreso, mas depois lembrei o caos da saúde, a falta de tudo, inclusive de médicos e perguntei:
- Se pra marcar é só mês que vem... A consulta é pra quando?
- Três meses depois!
Ela parecia preparada às xingaduras, mas ao invés disso, levantei o braço e disse:
- Minha senhora... Até lá, esses caroços vão perder o prazo de validade e no dia da consulta não vai ter um para mostrar ao médico!
- Sinto muito, senhor! Problema não é meu... E fechou o guichê, pendurando um pequeno cartaz: “fui ao toalete”!
Realmente não tinha mais o que discutir. O problema não era dela, não era do médico, muito menos do prefeito e cheguei à conclusão de que o problema era meu. Quem mandou ficar doente?
E pensando assim, sentei novamente na mureta, as pernas automaticamente se yogaram e meditei até sentir uma mãozinha bater no meu ombro. Abri os olhos e vi uma senhora idosa, baixinha e bem humilde, me dizer:
- Moço! Isso é intoxicação... O senhor abusou da comida!
Realmente lembrei que comi umas besteiras e prestei atenção no que dizia:
- Sabe o que o senhor faz?
E me receitou um chá de ervas medicinal e segui a risca. Dois dias depois meus caroços... Bem, já não eram mais “meus”, estavam secos, a pele normalizada e me sentindo ótimo.
Peguei o telefone e liguei para a faxineira:
- Dona Lina? Já estou curado! Quê? Quer retornar amanhã? De jeito algum, a senhora está despedida! A tá... Agora quer saber o porquê, né? Muito simples... Descobri que os caroços eram alergia a empregada folgada!
Xau!