Culto no lar

Walter Monteiro

Minha mãe se estivesse viva, completaria 90 anos em 2008, mas, infelizmente, faleceu aos 69 anos. Morreu em março de 1987, de câncer, originado “não sei de quê”, surgido dois anos antes.

Lembro de uma tarde, ao visitá-la, encontrei o grupo da igreja evangélica, liderado pelo pastor Jorge, um magrinho de terno grande e algumas irmãs oradeiras.

Minha mãe, sentada na cadeira no meio da sala, olhos fechados, aguardava ansiosamente a benção.

Ao seu lado meu pai incrédulo e do outro, minha cunhada, beata católica e que sinceramente, não sei o que fora fazer ali, logo no dia do culto.

Esse era o cenário quando abri a porta, no exato momento da discussão, entre minha cunhada e os crentes.

Acredito que, um pouco antes, durante a oração, o “sábio” pastor pedira misericórdia pelos católicos idólatras e explicava que, por trás de cada estátua de santo, havia um “demônio escondido”.

Minha cunhada, devota de São Benedito, não gostou da citação e parou de rezar; abriu um dos olhos e não sei se, orientada pelo “demônio escondido” ou pelo próprio “São Benedito”, o chamou de pastor “de bodes”.

Infelizmente, sem sabedoria, o servo do senhor deixou Deus esperando o final da prece e trocou ofensas com ela.

Minha mãe “tadinha”, tão compenetrada na benção, pensava que o “bate boca” era oração e repetia de olhos fechados:

- Amém... Amém...

Parecia nem estar ali, alheia a discussão, não se abalava e orava o tempo todo.

Já minha cunhada estava endemoniada e, para afrontá-los, tirou a medalha de nossa senhora “do não sei de quê”, escondida entre os seios, deixou-a pendurada no peito e com as mãos na cintura, mexia o quadril, encarando-os.

Como revide, as oradeiras assembleianas retiraram também dos seios a cruz sem cristo e apontaram para ela, dizendo:

- Afasta de nós, demônio... Tá amarrado em nome de Jesus!

Meu pai fazia uma cara de quem não gostava de “nada”, até porque nunca acreditou em “nada mesmo”, mas não conseguia parar a confusão.

Eu também nada fiz e nem podia, diante de tamanho absurdo. Se ficasse do lado do pastor, arrumaria encrenca na família e do lado da cunhada, minha mãe perderia a benção; a solução foi assistir o quadro patético, em nome de Jesus.

Em dado momento, minha cunhada já irritada, quase derrubou o pregador sobre minha mãe, coitada, ia morrer antes da hora, de tão fraquinha que estava.

Meu pai, meio aturdido, não sabia apaziguar o conflito e sem solução os irmãos resolveram se retirar. O pastor, com o pé do lado de fora, ao invés de ir logo embora, resolveu ler capítulo 10, versículo 14 de Matheus:

- “E, se ninguém vos receber, nem ouvir as vossas palavras, saindo daquela casa, sacudi o pó dos vossos pés”.

Mas nem teve tempo de fechar o livro santo e saiu correndo, preocupado com a vassoura que minha cunhada fora buscar, atrás da porta.

Passado alguns instantes, minha mãe, como saísse de um transe, abriu os olhos e não vendo os irmãos, disse espantada:

- Nossa! Onde está o pastor Jorge? Poxa, nem o agradeci por este culto maravilhoso...

walter monteiro
Enviado por walter monteiro em 07/11/2008
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