O Rei dos elogios
Walter Monteiro
Finalmente iria tirar férias. Já não agüentava mais a rabugice da dona Rosa, nem a fumaça do cigarro do chefe teimoso. Tranquei as gavetas, olhei o contracheque e, com a venda de dez dias e o acréscimo de um terço no salário, sobraram uns “cascalhos” para a viagem ao nordeste.
Era visível meu entusiasmo, fora convidado por um cineasta amazonense e viajei com pouca bagagem e filmadora, em busca de gente exótica, para um documentário.
Cheguei a Fortaleza e fui direto ao hotel descansar. À tarde, no passeio pelos arredores, descobri que não havia diferença do Rio: cidade grande, belas praias, vida noturna, bons hotéis, mas nada interessante.
Somente no sábado, logo cedo, no mercado de trocas e produtos artesanais, que surgiu a idéia do curta.
Sentado no bar, no café da manhã, prestei atenção na conversa de dois interioranos, um até audível, mas o outro falava embolado, cheio de adjetivos complicados e não sabia se elogiava ou falava mal de alguém.
Mas como os tipos eram interessantes, resolvi entrar na conversa.
- Bom dia amigos! Desculpe a intromissão, mas vocês são daqui mesmo?
Um nordestino gordo e bigodão, respondeu:
- Não sou daqui não, sou de Quixeramobim, terra de Antonio Conselheiro, conhece?
- Conheço não... Mas tenho vontade de conhecer. Respondi esperando o convite e aconteceu:
- Se sinta convidado! Respondeu o outro, um mulato magro, chapéu de couro, tipo cangaceiro.
- Muito obrigado... E irão quando? Perguntei acenando ao garçom trazer a conta.
- Já estamos de saída... Mas me diz uma coisa: O senhor é repórter?
- Sou não... Respondi: - apenas um cineasta com idéia na cabeça e a câmera na sacola, em busca de gente de talento.
- Então seu “paparati”, o senhor vai filmar o “Rei dos elogios”, o melhor locutor de Quixeramobim... – Colocou a mão no ombro do amigo e informou: – Hoje, no seu programa de rádio, Carro Velho vai elogiar o doutor Edmilson Correia, reeleito prefeito de Quixeramobim.
Ele sorriu quando estendi a mão e me apresentei:
- Muito prazer: Paulo
- Prazer, meu... Sou Nonato, “locutô”, mas pode “chamá” de carro véio!
A viagem levou aproximadamente uma hora e fomos direto para a emissora local, uma rádio FM, no centro da cidade.
Lá dentro, num estúdio bem equipado, escolhi um ângulo discreto e enquadrei o rosto do radialista carro velho, no exato momento em que o operador de som sinalizou sua fala e ele soltou a voz grave:
- Alo, alo meu prefeito Edmilson Correia e ouvintes da 104... Aqui quem fala é seu amigo Carro “Véio”.
Em primeiro lugar, quero parabenizarmos pelo seu “pogama” de governo... Um “pogama lídel” nas pesquisas e “fazeno” o “maió” sucesso em Quixeramobim.
Depois por ser um “doutô mediocrático”, um político “retombante” e agora um prefeito “cabriocárico”.
Um homem que veio do nada, “fazeno” um trabalho magnífico com “omildade” e “simpricidade”, dentro da conseqüência “mediováigel”.
Quero cumprimentar todo seu secretariado, por ser uma equipe inoxidável... Quer dizer: uma equipe brilhante... Formada de pessoas “estrombólicas”, tipo “helpis” e diferentemente daquela outra “batráquia”, que nunca fez “porra” nenhuma... A não ser “roubá”!
Finalmente quero parabenizar toda a família Correia, principalmente à primeira dama... Por ser uma pessoa “estrogonoficamente sensíuvel”... Uma pessoa que muito alegrou a população do nosso Quixeramobim....
Muito obrigado!
Alguns minutos depois o telefone não parou de tocar, eram elogios de vários seguimentos da sociedade, inclusive do prefeito e secretariado.
Guardei o equipamento e me despedi, convidando-o a dar uma palestra na Câmara de Maricá, mas ele recusou, alegando que vereador de interior é metido a elogiar, melhor do que ele.