O amor da moeda
Ocorreu-me, anos atrás, ,encontrar o amor. Amor verdadeiro aquele. Tão verdadeiro como rápido e fugaz. Será a transitoriedade a característica eminente dos amores ? O verdadeiro não resiste à corrosão do tempo ? Limitemo-nos à narração fiel do caso. Falam mais alto os fatos que nossas vãs leituras podem interferir.
Uma noite de lua cheia derramava-se toda por sobre o meu semblante cansado. Exausto, meus traços denunciavam os castigos de uns cem dias de metrópole, esta aglomeração ridícula que os homens inventaram para melhor suportarem as limitações da espécie. Era sexta feira e meu abatimento clamava por um descanso que parecia não chegar nunca. Antes do descanso, chegou o bar e , com ele, a vontade de , num canto anônimo rever cenas de minha anônima vida. Não pude ficar só: sem que eu pedisse me vieram fazer companhia a beleza e a sensualidade. Vestido de mulher o amor chegou. Não , não a galanteei e como me é próprio não lhe armei doces mundos. Não. Não a cumulei de falsas e hipócritas descrições como me ensinaram os mestres da conquista. Uma moeda caída ao chão e um gesto de reabilitá-la ao seu legítimo e descuidado dono fizeram isso por mim. Dono, não; dona. Fui mais feliz que meues mestres: a um gesto medíocre foi dada uma resposta grandiosa. Mãos frágeis e imaculadas receberam o metal agradecidas. Estabelecera-se o mudo diálogo de olhares e algum tempo depois conversavamos animadamente.
Irmanamo-nos rapida e intensamentee. Diferenças , porventura existentes, desfaziam-se tão logo nasciam. Evitava-se que crescessem, tomassem vulto e se voltasse contra o nosso encontro. Buscávamos a semelhança e , com ela , inebriamo-nos de nós mesmos. Corremos risco, construimos o futuro, despedaçamos entraves, escalamos dificuldades e mapeamos o mundo , agora, a nossos pés, submisso a nossos caprichos, sim. Ele era agora território de nós dois.
Antes de partirmos para tomarmos posse de nossas heranças, encontramo-nos no abraço ofegante dos amantes que não tardam em se atirarem no preenchimento do outro. Verdadeira oferenda aos deuses do amor este suor que emana de um corpo repousado no outro, ensandecido pelo outro, saciado do outro.
Era madrugada e se galo algum cantou é que dormem pesadamente estes da cidade, talvez demasiado tristes pela solidão a que assistem. Mas era madrugada que meu relógio acusava. E o medo de acordar um amor que me dormia nos braços me fez esquecer a hora.
Antes que a manhã chegasse, chegou nossso instante de separarmo-nos. Clama pela continuidade o brilho ofuscante dos momentos felizes. Mas , afinal, deixamo-nos.O sol estava para nascer e, com ele, cotidianas preocupações e um sem número de afazeres. Era como se aqueles raios quebrassem encantos, dizimassem sonhos, destruissem planos.
A moça da pratinha não a vi mais. Amor de uma noite só como dinheiro sem valor, níquel sem valia. O sol a levou consigo , malgrados os esforços da busca em noites outras. Não voltou a jura eterna de amor, desapareceu em minutos a
promessa de toda a vida. Esfumou-se o que já tive no meu peito.
Hoje, quando cai uma moeda, ve~ço o ímpeto da gentileza e a deixo caída, pois um sol me ensinou que as noites são mentirosas e suas cores puro engano dos olhos e da alma como o ouroe a prata.