De volta para casa.

 

 

Após onze dias voltei para casa. É sempre uma experiência interessante o voltar para casa. Embora tudo aparentemente esteja no mesmo lugar, parece diferente. É que a vida não para quando a gente sai de casa. Coisas acontecem que não vivenciamos e nos sentimos perdidas, um pouco aqui, mas um pouco ali também, onde não mais estamos.

 

Estou vindo de Recife, cidade que já conhecia e que a cada vez aprendo mais a amar. Fui visitar minha irmã e sua família. Fui me encontrar com minha amiga Rubi, amiga de tantos anos, amiga para sempre. Fiz novos amigos. Conheci lugares, reconheci sabores. Juntei histórias para contar. Teria sido bom ficar por lá, mas tive que voltar: aqui é o meu lugar. Todos nós temos que ter um lugar para ser e é aqui que eu sou. Ter, a gente pode em qualquer lugar. Mas existem lugares especiais, lugares onde somos. E ser, sem dúvida nenhuma é mais importante do que ter.

 

Folheio os jornais do tempo em que estive fora, ávida para preencher a lacuna desse tempo de ausência. Busco informações junto às pessoas. Aos poucos vou me apossando dos fatos, alguns corriqueiros, outros que me fazem sentir uma tristeza profunda. Alguém morreu que não devia ter morrido. Sempre morre alguém quando estou viajando e eu sinto como se tivesse em falta com essa pessoa. Fazer o que agora? Engolir as lágrimas da incompreensão: mães não deviam morrer. Jovens não deviam morrer. Mas tudo morre, mais cedo ou mais tarde. Gente. Bicho. Planta. Tudo morre e se transforma. Mas isso não consola.

 

Os problemas não desaparecem quando a gente viaja. Eles ficam esperando, quando não conseguem ser levados juntos com nossa bagagem. Eu nunca os levo, mas também não espero que se desintegrem em minha ausência. Mas quando chego posso encará-los sobre um novo prisma, uma perspectiva diferente. Existe um mundo lá fora, longe de nós e é isso que nos ensina a ver a vida de outro jeito. Nunca volto a mesma pessoa de uma viagem. Pequenas transformações ocorrem, embora nem sempre perceptíveis.

 

Não vim do mar, nem da areia, mas vim do sol e do vento e da chuva refrescante. Vim das noites iluminadas pelos fogos de artifício, dos becos e das ruelas. Vim das ladeiras íngremes e do badalar dos sinos nos começos de noite, dos quintais verdejantes de árvores frondosas. Vim dos andares mais altos, mas mesmo assim muito longe ainda do céu. Andares tão altos onde podíamos olhar lá embaixo as formiguinhas jogando futebol. Andei, andei e andei, pois só assim se pode conhecer uma cidade. E amá-la, já que o amor duradouro exige conhecimento. Não o conhecimento que a razão traz, o conhecimento que vem do coração, dos olhos extasiados, dos sabores de uma infância que não foi a nossa, de sons que não embalaram os nossos primeiros sonhos. O conhecimento que trazem os pés cansados.

 

Vim de longe, mas agora estou aqui. Aqui onde sou amiga do Rei e da Rainha também. Aqui onde os pés andam mesmo com os olhos fechados, pois conhecem todos os caminhos. Para voltar, sempre é preciso ir.