Grupamentos Humanos.

Mais uma vez estou chegando para uma reunião de trabalho. Será outro embate entre personalidades. Não pense que eles são pessoas famosas e importantes no cenário nacional, nada disso, é somente o chamado “conselho de classe”. Para quem não sabe é uma reunião que ocorre a cada período de tempo determinado, onde é apreciado o desempenho escolar dos alunos, são quatro dessas por ano. É, eu sei, parece pouco, não?

Esquisito isso, dizer que eles não são pessoas importantes, afinal de contas o professor é que ajuda nos primeiros passos da formação intelectual, constituída fora do âmbito familiar, auxiliando os humanos em seu desenvolvimento. Não estou afirmando, não possuir grande importância à bola de gude, a pipa, brincar de casinha, esconde-esconde... Praia, bicicleta, “pêra, uva, maçã ou salada mista”, clube, instrumentos musicais, música clássica, “baile funk”, namorar... Enfim, tudo aquilo que as crianças fazem antes e durante seu período de infância e adolescência. Quero dizer que o primeiro embate humano é feito dentro da escola, algo pesado, sério, severo, por vezes traumatizante, deixando cicatrizes indeléveis, carregadas como medalhas ou estigmas adquiridos com as opções que inexoravelmente temos que fazer... Os primeiros professores!

Já estive lendo sobre como é traumatizante “as primeiras letras”. Como esse processo mental é quase totalmente apagado, devido quantidade de esforço contrário à naturalidade da vida. Um descomunal esforço feito pelo ser humano em tenra idade. Se você não se lembra de mais nada, tente escrever com a mão que você não usa para esta prática. Você irá, provavelmente, se sentir uma criança em processo de alfabetização. Uma caligrafia detestável, isso se a sua for legível e bonita quando usa a mão que já foi treinada durante esses anos todos!

Será que alguém esqueceu como é duro fazer uma prova? O nervosismo, mão úmida, tiques nervosos, até os membros atrapalham durante uma ocasião dessas. Existem aqueles que querem abrir buracos no chão com os pés, comprimindo e esfregando com energia. Vão tirando meleca, coçando orelha, cabeça, pescoço, queixo, braços, pernas... Bufando, amassando o papel, mordendo lápis, roendo unhas... Rezando, fazendo caretas, balbuciando baixinho... São lutas contra o cérebro, determinações anteriores, eficazes ou não. Coloca-se em cheque dois ou três meses de “trabalho”. Nunca é agradável isso, né?

Eu me lembro de quando fui fazer uma pós-graduação após anos de afastamento dos bancos acadêmicos. Nossa! É muito louco! Causa alucinações pensar que durante um longo período de tempo, mais de um ano, outros seres humanos vão dizer a você o que pensar e fazer. Seu julgamento vai ser questionado o tempo todo. Doutores e Mestres vão dizer a você o que deve pensar sobre livros, filmes, documentários, seus programas prediletos da TV... Até tentarão enfiar um “papo cabeça” dentro da cerveja! Será que ela fica quente com isso? Você será coagido a entrar numa fôrma que foi esculpida por pessoas que sequer conhecem ou irão, um dia, conhecer sua realidade. O estranho disso tudo é a preleção inicial dessas grandes personalidades. Discorrendo a respeito da educação, como deva ser “libertadora”. Vão motivando o aluno a valorizar tudo que se tem de melhor, obviamente, o aluno entende isso sob seu ponto de vista. Aí ele se empolga com esse papo e manda ver... Escrevendo com entusiasmo, usando sua forma de ver o mundo. Baseado em autores julgados, por ele, apropriados. “Personalidades” conhecidas apóiam a “personalização” da vida humana, a parte do mundo alcançado pelos olhos do aluno... Puxa vida, nem o Windows é tão personalizável assim! Fica-se todo empolgado com o texto produzido, orgulhoso do escrito, é rápido o processo, antevendo a recepção de recebimento do prêmio de melhores do ano... Meio assim como estou me sentindo agora. A bem da verdade, no momento, estou “baseado” só na minha cabeça mesmo. Um “baseado” que da uma onda boa também! Mas isso não vem ao caso.

Depois de todo esse entusiasmo vem àquela avaliação maravilhosa, criticando o todo de sua grande obra, julgando tudo que ele produziu e pensou: “Não é bem por aí”; “Acho que não fui claro”; “Quem foi que disse isso?”... Por fim a nota baixa chega... O aluno fica arrasado, como qualquer mortal. Nada mais natural dentro do mundo acadêmico.

Conselho de classe é assim uma espécie de “julgamento”. Todos discorrem a respeito dos feitos do aluno, suas notas, interesse, comportamento... Visões de mundo... A visão de quem julga! Acabamos fazendo aquilo que não gostamos que façam conosco! É muito estranho? - “É assim mesmo!” - dizia um colega psicólogo, um cara meio “totoquinha” é bem verdade, doidinho... Vocês conhecem? Eu só sei que ficava muito danado da vida quando trabalhava firme em meus trabalhos e os Doutores achavam que “não era bem aquilo”.

Cada professor é um mundo, uma coletânea de vivências... Dores, alegrias, doenças, mágoas, lembranças de toda sorte, felizes e infelizes. Somos um grande caldeirão emocional. Uns são fofoqueiros, outros gente boa. Uns viveram uma “vida casta”, outros são “botequineiros” juramentados... Feios e bonitos; Gordos e magros; Altos e baixos; espirituosos e desenxavidos; uma coleção de personalidades que, por vezes, só se toleram para receber no final do mês o magro salário de professor!

Que Deus me perdoe pelo mal que possa ter feito durante minha vida de professor e me abençoe pelo bem que fiz, a muitos, nesse encaminhar de nossas vidas, alunos e professor.

No geral é sempre verdade aquela máxima: Vai dar tudo certo se nada der errado! - “Qual será o segredo de “tostines”? É fresquinho por que vende mais ou vende mais porque é fresquinho?” - Quem sabe onde são vendidos os livros dos “comos”? Em qual profissão não temos velhacos? Onde é que perdemos o Tesão? Acho que são questões típicas, é coisa de ser humano mesmo. Dizem que 80% dos humanos trabalham em ocupações que não são de seu agrado.

Só não sei se fico feliz por gostar de dar aulas ou fico triste por ser desvalorizado pela sociedade em que vivo. Devo mesmo é perdoar os colegas que ajudam a destruir o processo do desenvolvimento humano e tratar da melhor maneira possível àqueles que, estoicamente, continuam contribuindo para a formação de meu país.

É com prazer que felicito a todos que têm por ideal ser um bom Professor. Ganhando mal, sem recursos, realizando o milagre de transformar nossas crianças em adultos. Sem medo de enfrentar as agruras de uma profissão que, infelizmente, as “almas do outro mundo”, como dizia o Henfil, insistem em relegar a qualidade de joguete na falácia política. Ainda será apreciado o valor dessa... Humm?... Ao menos o valor dado a uma boa... Hummm?... Ferramenta... Tá bom assim?

A. Luiz Canelhas Jr. 09/102006

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Saquarema - RJ