Carta ao Amigo

Hoje, somente hoje pude refletir sobre o reencontro. Egoísmo meu. Pude sentir calor em teu abraço e satisfação em nossos apertos de mãos, ainda que breve, inspirou sinceridade, percebi que tua memória retornou ao passado. Logo notei que os que te acompanhava fizeram questão em te cercar. Senti raiva.

Lembrei-me de nossa infância, quão parceiros fomos. Tu eras meu melhor amigo, inseparáveis. Olhei-te da cabeça aos pés e vi o quanto mudaras agora, homem formado, diferente daquela feição que tinha de ti ainda menino, achei-te transtornado.

Por um instante, salivei nossa infância, doce sabor, porém logo veio o amargo de nossas vidas, distância. Fiquei curioso em saber tua idade, eras ao menos dois anos mais novo que eu, acho que não deves passar dos trinta, mas parecemos estar mais velhos. Não tive oportunidade em perguntar-te.

Tantas foram nossas aventuras. Quantas vezes te defendi e evitei que tu tomasses uma surra. E as surras que tomamos juntos? Bons tempos amigo, passados dezenove anos, frente a frente, parecemos estranhos. Tempos saudosos. Estranho, fomos irmãos.

Soube por intermédio de outros que tu estarias entregue as drogas, doeu-me em não poder fazer nada. Será que poderia? E quem sou eu para julgar-te e opinar em tua vida? Quem sou eu? Após todo este tempo, abordar-te com um assunto tão delicado, preferi a omissão. Pensei naquela música do Raul Seixas e seu amigo Pedro, “eu não tenho nada a lhe dizer, mas não me critique como sou, cada um de nós é um universo Pedro aonde você vai eu também vou”...

Por que teve que ser assim? Se estivéssemos crescidos juntos tu me acompanharias ou talvez hoje eu fizesse parte de seu mundo. Isso já não importa. Acaso do destino. Fizemos planos, éramos invulneráveis, agora tantos fracassos em nossas vidas. Ansiei ver-te e apanho-me em decepção. Coisa de gente grande.

Certa vez li um texto de Drummond que falava sobre a palavra inexorável, ainda em nossos tempos de criança e não sabia seu significado. Conceitos, preceitos e valores. Rebeldia, anarquia e irresponsabilidade. Juventude transviada. Hoje amigo posso comprovar quão inexorável é nosso destino. Inexorável é viver.

"Queria ser como os outros e rir das desgraças da vida e fingir estar sempre bem. Eu nem sei porque é que me sinto assim,vem de repente um anjo triste perto de mim. Essa febre que não passa e meu sorriso sem graça. Não me dê atenção e obrigado por pensar em mim"...
Renato Russo
Sidrônio Moraes
Enviado por Sidrônio Moraes em 06/11/2008
Reeditado em 14/04/2012
Código do texto: T1268330
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