Sílvio

SÍLVIO

(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 05.11.2008)

A algumas pessoas não deveria ser dado ir-se antes de acabarem, não poderiam morrer antes da hora - independente da idade que tenham atingido. Era, este, o caso do Sílvio.

Ir ao cemitério para velar um amigo não é a melhor maneira de começar uma segunda-feira ensolarada, depois de chuva e tempo fechado por dias infindos, mas foi o que muita gente fez na derradeira semana de outubro. Alguns receberam a notícia já no domingo à noite, logo depois das onze e meia. Quem estava na Internet leu a triste mensagem da Tina, funcionária da Academia Catarinense de Letras: "A Academia está de luto, acaba de falecer o Prof. Sílvio Coelho dos Santos, nosso acadêmico e tesoureiro", ela avisava. Ficamos todos de luto.

Na manhã seguinte, em pranto discreto, D. Ester, secretária executiva da ACL, contava que o Sílvio morreu na antevéspera dos três anos da primeira cirurgia a que se submeteu na luta contra o câncer, mal que só conseguiu dobrar suas forças no seu último mês de vida. Até ali, o Sílvio mostrou-se superior à doença, combatendo-a porém vivendo, desafiando-a e criando, trabalhando, escrevendo, pensando.

Sílvio foi um pensador lúcido. Não era gente de fazer concessões intelectuais. Historiador, antropólogo e escritor sério, com 20 livros publicados, sua visão de mundo só poderia pautar-se - como efetivamente sempre se pautou - pela preocupação com o ser humano, suas raízes e sua cultura. Apoiado em sólida formação humanista, encarnou o homem de esquerda, para desespero daqueles que insistem em apregoar (como num mercado...) que não existem mais ideologias, que todos agora somos rigorosamente iguais, massificados e regidos pelo mesmo e único e inquestionável catecismo.

Sílvio não aceitava essa mistificação, conveniente apenas para impor a dominação de um conjunto de interesses que visa o lucro acima do próprio Homem. Aliás, basta perceber que somente os conservadores anunciam o fim das ideologias - isto, por si só, é bastante sintomático.

O conceito de morte, na nossa civilização, evoluiu do fim da atividade do coração para o fim da atividade do cérebro. No entanto, este precisa ser redefinido, pois a verdadeira morte cerebral sempre ocorre quando o sujeito abdica de pensar e de criar. Enquanto isso não acontece, a pessoa deveria ser proibida de morrer.

Este era o caso do Sílvio, jovem e ativo aos 70 anos, morto muito antes do que devia.

(Amilcar Neves é escritor e autor, entre outros, do livro "Movimentos Automáticos", novela)

Amilcar Neves
Enviado por Amilcar Neves em 05/11/2008
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