Alencar
       
e o poeta dos
escravos

       
Na minha última crônica, publicada no Recanto, falei sobre José de Alencar, o escravista.
             Num pálido texto, fiz um dramático apelo para que não se tentasse desmoralizar o extraordinário romancista cabeça-chata pelo fato de não ter ele aderido à campanha abolicionista, quando D. Pedro II dava os primero passos nessa direção.
        Sim, porque com a divulgação das suas famosas Cartas ao imperador contrárias  à Abolição, houve quem o chamasse de "cínico"; de escritor "medíocre"; e de ser humano "abominável".
        Pretendi deixar bem claro que Alencar, o escravagista, não devia ser confundido com José de Alencar, o romancista, contista, cronista, jornalista.
        Dois autorizados biógrafos do autor de Iracema, o jornalista cearense Lira Neto e o saudoso escritor baiano Luís Viana Filho, nos seus excelentes livros, referem-se às missivas anti-abolicionistas, mas não censuraram Alencar por havê-las escrito. 
        Pelo que ouvi daqueles que num ato de extrema generosidade leram minha crônica, meu recado nela inserido foi bem entendido e até aplaudido. Não esperava tanto!
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        Agora, vejam vocês, como engraçadas são as coisas deste mundo velho. 
        Todos sabem que os escravos tiveram em Antônio de Castro Alves um impávido defensor.
         Quando se fala no festejado vate baiano, dois dos seus melhores poemas são logo citados e por muitos recitados:
O navio negreiro e Vozes d´Àfrica.
         Em fevereiro de 1868, Castro Alves desembarca no Rio de Janeiro.
         Poeta da província, ele precisava de alguém, com prestígio e influência no meio cultural da Corte, que o ajudasse a alçar vôo. Talento lhe não faltava. Nascera poeta.
        Com uma carta de recomendação do deputado baiano Fernandes da Cunha para José de Alencar, o poeta procurou o romancista alencarino. E foi imediatamente recebido.
        "Recebi ontem a visita de um poeta. O Rio de Janeiro não o conhece ainda; muito breve o há de conhecer o Brasil"  - com  esta consagradora observação, em carta datada de 18 de fevereiro de 1868, Alencar encaminhou o jovem poeta ao seu amigo Machado de Assis.
        Acrescentando: "É preciso dar-lhe o teatro, o jornalismo, a sociedade, para que a flor desse talento cheio de seiva se expanda nas auras da publicidade."
        São dados que colhi, lendo, atentamente, O Inimigo do Rei, formidável livro do jornalista conterrâneo Lira Neto.

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        Com que atenção Alencar recebeu o jovem poeta Castro Alves, naquela altura, já conhecido e respeitado como um denodado e intransigente defensor dos escravos.
        Não esquecer, que
O navio negreiro e Vozes d´Àfrica são de 1868.
        È também de se admitir que dificilmente Alencar acolheria, com tanto carinho e entusiasmo,  o poeta baiano se lhe não conhecesse os versos; e muito menos o apresentaria, como vate promissor, ao amigo Machado de Assis.
        Embora discordasse da declarada posição de Castro Alves favorável à libertação dos escravos, nem por isso José de Alencar deixou de lhe reconhecer o valor, expressado, claramente, nos seus versos.
        Estendeu-lhe a mão. Um gesto de grandeza. Uma lição de cidadania. Atitudes deste jaez não costumam assumir os cínicos...
       
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 05/11/2008
Reeditado em 03/01/2009
Código do texto: T1267948