O outro lado da vida
Minha estimada amiga, Zélia Nicolodi, uma das mais brilhantes sonetistas do Recanto das Letras, a mais zen das minhas amigas, pacientemente e através de brilhantes argumentos, tentou atenuar um pouquinho da multidão de dúvidas existenciais que assola a minha cabeça mais que complicada.
E quase toda a sua resposta manteve-se atrelada ao seu ponto de vista de que toda a nossa existência terrena é apenas de SPA espiritual. Quem bem aproveita esta vida (espiritualmente, é claro), volta para o outro lado bem mais leve.
Fiquei bem mais animado, mas logo recaí no meu incorrigível ceticismo: haverá, realmente, "outro lado" para nós, viventes? Essa é a crucial questão com que me debato há anos, embora seja adepto do Espiritismo Kardecista. Vejam bem, adepto, não praticante. Tenho pavor da destruição total, procuro me inibir da prática do Mal - pela minha própria natureza e por sentir que há possibilidade de ser cobrado além-morte, mas não consigo - nunca consegui, apesar da boa vontade - acreditar plenamente em qualquer preceito religioso. Estou sempre achando que me passam um cheque sem fundos espiritual!
No entanto, concordo plenamente com o grande Victor Hugo, que disse: "Quem zomba do que é possível é um tolo". Eu não zombo, ao contrário, eu gostaria de crer! Invejo os que têm fé, os que não duvidam! Mas sou tão cruelmente racional que, dentro de mim, pela lógica do meu tendencioso raciocínio, destruo, um por um, os preceitos religiosos que estudo ou examino.
Olhem só: há coisa de 20 anos, eu andava numa fase muito mística. Freqüentava simultaneamente casas religiosas que praticavam a filosofia espírita kardecista, o Johrei e o Seicho-No-Ie. Estava quase realmente admitindo a hipótese perfeitamente plausível de que o nosso corpo é uma máquina e que, por trás dele, existe uma chama, uma força vital que o comanda, seja alma, seja espírito, seja energia, mas de qualquer forma, inteligente, e, com certeza, anterior ao nosso nascimento. E, então, bingo! Se era anterior ao nosso nascimento, era posterior à nossa morte! Estava tão compenetrado desse meu entendimento transcendental que até andei dando um tempo para os pecadinhos da carne.
Mas, aí - coitada da minha incipiente religiosidade! - resolvi assistir a uma entrevista que o grande Pedro Nava - nessa época, com 83 anos - estava dando na TV Educativa. De repente, Leda Nagler perguntou:
- O senhor acredita na vida após a morte?
E ele, calmo e seguro de si, respondeu:
- Não. Com medo das doenças, os homens inventaram os remédios; com medo da morte, inventaram a alma.
Essa dedução, vinda de um homem inteligente e culto, com 83 anos, portanto, bem perto de passar desta para uma melhor, era tão lógica e racional que o meu entusiasmo esfriou.
Sou muito suscetível às opiniões religiosas alheias? Não! Sou suscetível aos argumentos inteligentes e lógicos. E o argumento daquele homem era cruelmente inteligente e lógico.
Mas, quero garantir uma coisa para vocês: não sou nadinha materialista; não tenho apego a dinheiro ou a coisas. Se desta vida levarei saudades, serão saudades das pessoas que amei e que amo; se tenho alma, esta, com certeza, partirá lamentando a ruptura desses anelos de afeto.
Por outro lado, o meu espírito científico e racional, habituado à pesquisa e à análise percuciente dos fatos, se recusa a acreditar que o cérebro seja outra coisa, além de um órgão onde as informações recebidas dos órgãos sensoriais são analisadas e processadas. Com base nessa definição científica do cérebro, não consigo vê-lo exteriorizando a minha personalidade, amando ou odiando, aliás não consigo vê-lo portador de emoção nenhuma, pois se é um órgão exerce apenas função fisiológica. Então, quem envia a emoção, que o cérebro analisa e processa, de onde vem a nossa personalidade?
Mas lembrem-se de que antigamente o coração era tido como sede dos sentimentos, tanto que até hoje usamos muito as expressões: "Meu coração não te esquece", "Você partiu meu coração", etc. Aí chegou o mestre Barnard que fez o primeiro transplante do coração e o transplantado continuou com os seus mesmos e particulares sentimentos e emoções. Conclusão: o coração não era sede dos sentimentos nem da personalidade (alma) é apenas um órgão que bombeia o sangue para todo o corpo.
E agora já se fala em transplante de cérebro e aí a minha pequenina chama de fé estremece. Suponhamos que se tire o cérebro de A, com personalidade "X", e que ele seja transplantado para B, com personalidade "Y". Se após o transplante, B manifestar a personalidade "X" de A, ruirá por terra a teoria milenar da existência da alma.
Por isso, continuo no labirinto de mim: sei que um dia desses vai haver uma saída - e espero que esse dia demore a chegar, rs. Mas, quem vai sair, o meu "eu" ou o meu "nada"?
E acabo rindo com a piada mais inteligente que já li: "Não leve a sua vida muito a sério, pois jamais sairá vivo dela!" rs