Menina-flor
Belvedere Bruno
Ah, saudade! Lembro-me dela com aqueles cachos nos cabelos, espevitada, ao mesmo tempo que terna. Sua maior distração era caracterizar-se de artistas hollywoodianas. Horas sem fim diante do espelho, esmerando-se em maquiagens, penteados, trejeitos. Nos finais de semana, representava no teatrinho armado ao fundo do quintal da casa onde morava. Platéia fiel. Quem sabe, será uma atriz?- era a voz corrente no bairro.
Mentalmente, revejo-a vestida com o uniforme colegial, carregando livros e cadernos, sempre reclamando da matemática, que dizia ser o único entrave na sua vida. Por vezes, parecia contraditória no modo de ser. Uma desenvoltura que não combinava com a aversão a namoros precoces. Enquanto as amigas flertavam, ela lia clássicos contemporâneos. Nada tinha de genial. Simples questão de autenticidade.
Sobrancelhas espessas e arqueadas, olhos cheios de miopia, fazendo-a trocar fulano por beltrano e gerar inimizades por conta do "ela passou e fingiu que não me viu" . Desculpava-se de tudo culpando o defeito ótico, que dizia ser herança dos avós. Não se permitia usar óculos. Eram vitais os traços de lápis negro delineando os olhos. Que mal havia em não enxergar bem?- dizia. Era bonita naquele franzir de cenho e apertar dos olhos, tentando descobrir coisas e pessoas.
Quisera resgatar essa menina! Menina-flor!
Em sonho, vejo alguém caminhar em minha direção. A princípio, tudo é turvo, mas, aos poucos, identifico rosto, corpo e, emocionada, ouço a sua voz. É ela! Avidamente, beijo e abraço a pequena, como se pudesse retê-la para que nunca mais se perca de mim. É forte o desejo de poupar-lhe dores e lágrimas futuras. Olhando-me firmemente, diz:- Viva seus sonhos! Sem medos! A garotinha ainda existe em você, pois não morri! - frisa. E sorri.
Emoção indescritível! Era eu, madura, no meu hoje, abraçando a menina que fui um dia.
Afastando-se, disse adeus, acenou, deixando-me em lágrimas. No corpo ainda florescendo, aquele vestidinho de fustão branco, com bordado na gola...