Como Penitência
Assim como, de acordo com as leis dos homens, cumprem-se as penas para o pagamento de crimes, para algumas religiões, cumprem-se penitências para o pagamento de pecados.
Acreditamos que a experiência é uma conquista da reflexão sobre fatos, atos e comportamentos. Geralmente, as reflexões nos conduzem a julgamentos, cujos veredictos, quando se referem a nós mesmos, são sempre mais suaves, cheios de justificativas e, quase sempre declaram a nossa absolvição.
Provavelmente, se não tivéssemos tido a necessidade de tomar um “Ita” no Norte e vir para o Rio morar, não estaríamos registrando, agora, o veredicto relativo ao julgamento do nosso relacionamento com o açaizeiro.
Apesar de as folhas do açaizeiro cobrirem as casas das famílias pobres e ribeirinhas, protegerem as plantações e se transformarem em fibras, celulose, ração animal e adubo, jamais lhe fizemos um gesto de carinho.
Apesar de o seu fruto nos encher de prazer com o seu vinho, sorvete, picolé, mingau azedo, creme e se transformar em adubo, álcool e curtidor de couro, o máximo que fizemos foi demonstrar nossa alegria em saboreá-lo com aquele sorriso tingido de roxo.
Apesar de o seu palmito nos servir sopas, pasteis, empadas, empadões e outros manjares, o máximo que fizemos foi prestar um elogio a quem preparou o prato.
Apesar de o seu cacho se transformar em adubo, vassoura e o seu estipe, em celulose, barrotes caibros, ripas, lenha e até isolamento elétrico, o máximo que fizemos foi queimá-lo na fogueira ou lhe bater com a marreta para a cerca.
Apesar de as raízes do açaizeiro servirem como antivérmico, o máximo que demonstramos foi um torcer de nariz, rejeitando o remédio.
Nunca lhe dissemos que Belém e as ribeiras não seriam tão lindas, se não fossem ornamentadas com sua graça, alegria e beleza.
Foram muitas as noites enluaradas em que testemunhaste acrobacias de amor, ao utilizarem teu estipe como leito vertical.
Em vez de algum reconhecimento dos amantes, só a indiferença em duetos de sussurros.
Julgadas essas reflexões, nosso veredicto foi que todos aqueles que, como nós, se relacionaram com o açaizeiro nas bases da indiferença e ingratidão devem redimir-se por meio da penitência.
No nosso caso, achamos por bem nos penitenciarmos fazendo rimas a essa linda palmeira. Aos nossos versetos demos o título de “Euterpe Olerácea” , que é o nome do açaizeiro na classificação das espécies botânicas.
“Euterpe Olerácea” é, em tempo, nossa declaração ao açaizeiro de um antigo reconhecimento, que nunca tivemos a preocupação e a consideração de expressar:
“o vinho do teu fruto é especiaria mágica, que seduz, enfeitiça e conquista aqueles que o provam “.
"Euterpe Olerácea" é nossa bandeira hasteada, não para dar aquele aviso pitoresco de que nos postos de venda espalhados por Belém, o vinho-feitiço pode ser adquirido, mas para marcar a ternura, o respeito e a gratidão que os paraenses sentem pela palmeira-tradição do norte brasileiro.
"Euterpe Olerácea" são rimas geradas por nosso otimismo no desenvolvimento da técnica do açaí em pó e que vislumbra, para o terceiro milênio, cifras de exportação maiores do que aquelas correspondentes ao café.
Esperamos que a indústria paraense, em respeito aos consumidores dos mais variados cantos deste planeta, deixe bem claro nas embalagens do açaí em pó para exportação: “as características de feitiço deste produto somente são conseguidas se seu consumo for realizado em cuia e em alguma cidade ribeirinha do Pará”.
Euterpe Olerácea
Não tens a altivez imperial
mas, como toda palmeira,
és relevo verde no azul celestial.
Não vens ao mundo só como a realeza.
brotas em grupo, formando touceira,
mas, tua graça, alegria e beleza
se derramam em verde no barrento da ribeira,
se derramam em verde no barrento da ribeira.
Da tua raiz as tuas folhas,
tiramos proveito de tudo:
celulose, álcool, ripas, vassouras,
caibros, remédios e adubo.
De todos os teus produtos,
existe um de maior tradição,
é teu roxo, quase negro, fruto
que no Pará se fez refrão:
“quem foi ao Pará parou,
tomou açaí ficou.
Quem foi ao Pará parou,
tomou açaí ficou.”
No topo, do teu ventre, os cachos.
Teu fruto é baga pequena,
da cor dos lábios e seios
dos nativos de pele morena.
Tuas palmas, no balé da fé,
festejam, nas igrejas de Belém,
a entrada de Jesus de Nazaré
no solo-santo de Jerusalém,
no solo-santo de Jerusalém,
Teu caule é leito do amor
e testemunha em noite prateada
da boca ofegante do amante
pelo corpo da mulher amada.
Tu és o Açaizeiro
e o Açaí o teu fruto.
És a palmeira-símbolo
do norte brasileiro,
a palmeira-símbolo
do norte brasileiro.
Do teu fruto, o vinho-feitiço,
que teu povo poeta,
em refrão consagrou:
“quem foi ao Pará parou,
tomou açaí ficou.
Quem foi ao Pará parou,
tomou açaí ficou.”