ACUSE RECEBIMENTO
ACUSE RECEBIMENTO
Nelson Marzullo Tangerini
Plagiando a canção Meus Caros Amigos, de Francis Hime e Chico Buarque de Hollanda, o correio, em 1985, andava ainda meio arisco. Algumas cartas minhas, de quando em vez, desapareciam, como que por encanto.
A época era tão sinistra, que alguns bandidos fardados roubaram meus livros, Paulicea (Ainda) Desvairada – uma declaração de amor a São Paulo e a sua gente, de um livreiro independente em Salvador, na Bahia. Os livros, que homenageavam Mário de Andrade e Nestor Tangerini, paulistas, foram devolvidos, posteriormente, sem a minha fotografia, cortada, talvez com estilete ou canivete. Provavelmente foram parar no arquivo literário do SNI.
Resolvi, então, mandar fazer um carimbo com os dizeres “Acuse recebimento”, que passei a usar em todas as minhas correspondências.
Mas, infelizmente, muitas cartas sumiram - com “Acuse recebimento” ou não.
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Enfim, tomei coragem e enviei a Drummond meu poema Panacea, publicado, na época, no Boletim do SERJ, Sindicato dos Escritores do Rio de Janeiro. O texto, dedicado ao filósofo Aristóteles, autor de Arte Poética e Arte Retórica, sugeria que amássemos a arte – ou que fizéssemos alguma coisa dentro dos padrões e parâmetros do que seja arte.
Drummond fez críticas a mim e ao poema. Achou-o um pouco discursivo.
A minha intenção era criticar alguns textos com pretensões poéticas, ininteligíveis, distantes, arrogantes, de gente que faz “charme de intelectual”, como diz uma canção Herbert Vianna, dos Paralamas.
Vai nele, também, uma crítica às músicas de péssima qualidade, que tocam em nossas rádios e que não têm qualquer preocupação poética.
Quem ouviu, certa vez, Milton Nascimento, Taiguara, entre outros, tem sensibilidade para sentir a diferença.
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Na carta, comento ainda sobre o livro Cartas de Mário de Andrade, tão difícil de ser encontrado nos sebos e também faço um comentário sobre a última entrevista de Drummond - ao jornalista Geneton de Moraes e publicada no Caderno Idéias, do Jornal do Brasil.
Responde-me Drummond:
“Rio, 30 de agosto, 1985.
Tangerini:
Gostei do carimbo no envelope, lembrando ao destinatário a obrigação de responder. Quase ninguém, entre nós, foge à norma do silêncio.
Também gostei do poema, embora o ache um pouco discursivo. Você pretende que se ame a poesia e dá razão para isto: buscar a imortalidade da arte. Ora, a poesia não visa a nenhum fim explícito, ela é um fim em si mesmo.
De fato, seria ótimo se reeditassem as cartas de Mário de Andrade a Bandeira. É um livro precioso, que faz muita falta. Em comprensação, sairam agora as cartas de Mário a Prudente de Moraes, neto. Já viu o volume?
Obrigado pelo que me diz da entrevista. E um abraço cordial de
Carlos Drummond.”
Sobre o nosso grande radar de Mário de Andrade, seria muito bom se voltassem a publicar suas cartas – a Drummond, a Bandeira, a Fernando Sabino, a Prudente de Moraes Neto, a Murilo Miranda, a Álvaro Lins, entre outros.
São muito interessantes os seus pontos de vista e suas observações sobre a arte. Mostram também um Mário de Andrade múltiplo e seu trabalho diário. Eles nortearam escritores da 2ª e da 3ª fase do Movimento Modernista e nortearão, por certo, futuras gerações.
No caso de Drummond, disse Maria Julieta, sua filha: “A lição do amigo”, cartas de Mário a Drummond, “é uma leitura indispensável para todos os que desejam aprofundar o conhecimento da história literária brasileira.”
Nelson Marzullo Tangerini, 53 anos, é escritor, jornalista, poeta, compositor, fotógrafo e professor de Língua Portuguesa e Literatura. É membro do Clube dos Escritores Piracicaba [ clube.escritores@uol.com.br ], onde ocupa a Cadeira 073 Nestor Tangerini.
nmtangerini@gmail.com, mmtangerini@yahoo.com.br