O BOCA
Amanda foi mulher do Boca.
Sensível e normal , entendia bem a vida.
Era observadora e calada.
Percebia o Boca em uma 'simploriedade ' doída.
Às vezes, sentia pena .
Para ele, valia comer e comer. Primeiro , aquele comer básico ,
para manter a saúde em ordem e o corpo em pé ;
e o segundo comer, que na sua própria linguagem ,
era aquele sexual, onde valia tudo, desde
conquistar as moças razoavelmente
possíveis até cozinhar para elas e ... as comer,
depois de se regalar em pratos bem feitos e vinhos bons .
Inventando histórias e as fazendo crer, amadas.
No geral, malhar muito, afinal tinha que cuidar de suas
ferramentas ' de trabalho'.
Mas ele era o Boca e o que valia mesmo era comer.
Demorou para aprender que ninguém gosta de velório mas ia
quando falecia um conhecido, pelo fato da solidariedade existir
dentro de cada um . Ser humano!
Antes , ele dizia:' - Não gosto, não vou.'
O mesmo para doentes no hospital.
' Não visito. Odeio. Não vou.'
Tudo era simples assim para o Boca.
Sempre alegre e corriqueiro, ia descrevendo a vida como
se ela fosse festa, paisagem, passarinhos e deixava um
rastro perfumoso que queria ser sensibilidade mas não era.
Queria ser humanidade mas não era.
Queria ser carinhoso . Pois se tratava do Boca e pra ele ,
comer era o lema da sua vida. Prazer tão básico.
Viver, era contar seus 'causos', ter casos para contar
e boa platéia para ouvir. De preferência com mesa posta
ou nem isso; podia ser em pé com um copo na mão.
Ah..o copo ! Essencial.
Se a platéia aplaudia ou não, nem ligava,
bastava estar atenta e escutar o que ele tinha para contar.
Seu ego inflado inibia totalmente a auto-crítica,
então , em sua base simplista, o Boca era tão primitivo
que acabava sendo um puro. Sim, ele era um purista. :-)
As necessidades básicas satisfeitas, as dele, claro ,
e já estava tudo bem.Mais que suficiente.
Não alcançava dores alheias. Nem mesmo as das mulheres que
convivia , a olharem a vida dele em fotos de viagens e regalos
alimentícios.
Segundo a visão dele, elas nada precisavam além do quesito
para a básica sobrevivência.Estavam comendo?
Já estava bom!
Não aprendeu a ser ombro, a dar apoio em horas cinzentas .
Ficava bravo - quem disso precisasse era um fraco.
Não merecia nem a sua companhia. Quanto mais seu ombro.
Dizia adeus sem mais nem menos , não guardava saudade ou algo semelhante ( só das comidas e que tais)
e se desligava das pessoas facilmente . Sem dor.
Mas não se esquecia , na ativa, de cultivar os de perto
com certo carinho. Zelava pelo social vigente.
Fazia novos conhecidos com a rapidez de um raio.
Mas tudo era superficial em sua vida.
O seu interior, ninguém desvendou. Talvez , nem ele.
Devia ser um rio escuro, num vale profundo ,
correndo devagar em águas turbulentas
e meio incontroláveis, vindo de uma nascente longínqua ,
carregando no seu leito ,objetos ainda não identificados.
Que nunca foram analisados.
Pois o Boca estava aí pronto para o que desse e viesse .
Imediatista e oportunista ,se fosse bom , ele ia e ficava,
doesse a quem doesse...
Sendo razoável ele 'traçava', e sempre bebia
algumas e encarava.
Bebida? Complemento indispensável .
Mais o comer e comer , é o que lhe dava certa graça.
Pena que ele se findou e nunca descobriu que a
Vida era muito mais que isso.
lu.f;-)