O LEITOR

 

         Caneta na mão, olho lá fora. Um zunido intenso e uniforme vem de fora. De fora da janela ou de fora de mim? Outros ruídos começam a ser percebidos, vozes no trabalho matinal com ruído de suas ferramentas. Uma mulher fala, parece a mandante dos serviços. Um martelo no apartamento vizinho começa suas marteladas suaves meio que a medo. Nove horas. Já é hora de ruídos? Ruídos secundários param. Para a mulher. Para o martelo. O zunido fica mais nítido, por um momento está só ele. Que será este zunido?

          Lá no sítio na serra, eu ouço este ruído orquestral da natureza. Até de olhos fechados eu ouço também. ? : _ É a vida. É o som da vida. É o som do dia. É o som do silêncio do dia. Será que este som vem de dentro de mim? Não. Eu o escuto. Ta na minha cabeça. Eu o sinto e o ouço. Poderia dizer que é quase gritante de soar. Mas não incomoda. Acho que está incorporado aos meus sentidos. Este som é normal. A diferença é que estou me detendo nele. E ele se faz resposta, ou melhor, ele se faz revestimento precioso e tapetes para acolher a resposta querendo ser feita. É a sinfonia dos olhos abertos e ouvidos atentos. Só escuto esta nota forte resultante de mil sons que se sintonizam como se saída da mão de um maestro. Meu corpo está unido ou dentro também desta orquestra. Mas não sei que instrumento toco, se estou sentada, quieta, escrevendo. Minha mão adormece um pouco na ânsia de querer entender... Cada vez mais este som forte que não incomoda, prevalece.

         Olho de novo lá fora. Um “selinho” veio pousar na grade da varanda, mas ainda não botei sua garrafinha de água doce. Espera Selinho, estou ocupada, te atenderei já, já. Lá adiante, o paredão cinza de concreto, quase vertical, tem plataformas com vegetação que balançam suaves com alguma brisa que ainda não senti. Estou vendo. Acima desta vegetação, os arbustos maiores dobram carregados de flores brancas, em cachos pesados. Um cão ladra, longe. Minha mão formiga. Que estou fazendo? Estou escrevendo uma pergunta. Qual? Nem sei bem, mas um companheiro me ajuda na resposta, o meu coração começa a falar alguma coisa... Pergunto a ele “coração o que é?” Ele só me faz sentir que é um companheiro, mas eu é que tenho de entendê-lo. Que é coração? Não me falas? Não me contas? É uma revelação? O dedo médio formiga. A suavidade e a calma vêem chegando, abrindo caminho para o entendimento... quase... É a resposta à pergunta não feita. Sim é o sentimento que alcança tudo antes da gente mesma alcançar. Já sei a resposta à indagação que não foi formulada. Estou sentindo a sua chegada. Vem chegando, bom, aproximando-se sem ser visto, só sentido. Meu coração se abre escancarando sua porta a receber este ilustre visitante. Vem visitante, reconforte-se no abraço amigo do coração que o acolhe, vem querido dos queridos, é você então! Unamo-nos, amigo. A casa é sua, é sua morada momentaneamente, no meu coração. Querido e querida soltem-se neste lago de amor e de acolhida. A compreensão se aproxima destes ilustres queridos e abre todas as suas janelas e portas para aceitá-los. Oh! Quanta satisfação querido companheiro!

         É você leitor que chegou a mim. Deus! É o leitor! É você que me buscou. Eu esperava por você. Passará o dia inteiro, a vida inteira dentro do coração que você ocupou. Você é a resposta.

         Sem você eu não sou ninguém.

 

 

MLUIZA MARTINS