JUIZ DE FORA, MG
JUIZ DE FORA – DE MURILO A AFFONSO
Nelson Marzullo Tangerini
Em maio de 1983, a turma da revista D´Lira e do jornalzinho Abre Alas (literários) promoveu um Encontro de Escritores em Juiz de Fora.
Brincando com a ditadura militar que já agonizava, o jornalzinho colocava uma lista com os nomes dos colaboradores sob o título “Pequenas pistas para o SNI”.
Desse encontro, portanto, participaram Affonso Romano de Sant´Anna, Touchê, Síntia Helena Paholsky (irmã do poeta Árgus Mário Paholsky), Suzana Vargas, Tanussi Cardoso (meu ex-professor), e os poetas juizforanos Zé Henrique, José Santos Mattos, Fernando Fábio Fiorese Furtado (o homem dos 4 efes), Luiz Guilherme Piva, Luiz Fernando Rufato, entre outros.
A garotada resolveu fazer uma homenagem a Murilo Mendes, natural de Juiz de Fora e morto em Portugal, e soltaram um folheto contendo poesias e dados sobre o poeta surrealista mineiro.
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Um dia, ao sair de casa, encontrei uma pipa feita de uma folha de um livro de 7 ª ou 8ª série.
O vento ma trouxe para perto de mim e ela ficou presa a meu pé.
A princípio, fiquei bastante revoltado com o descaso do autor da brincadeira. Sou professor e escritor e sei dar valor a um livro, seja ele de um escritor, didático, de qualquer matéria, ou, especialmente, sobre literatura.
Abaixei-me e peguei a pipa. E percebi que o autor da brincadeira teve o trabalho de respeitar a poesia de Drummond – creio que José.
Abri, então, um sorriso e me veio à mente enviá-la ao poeta. Se o correio não a entregou, prestou um grande desserviço à literatura brasileira.
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Pela TVE do Rio, assisti a um interessante documentário a respeito de um cidadão mineiro chamado Bento Pereira Coutinho.
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Num só envelope, com carta pedindo informações sobre Coutinho, pergunto-lhe, ao itabirano, se recebeu a pipa-poética e o folheto-homenagem a Murilo Mendes.
“Rio, 26 de junho, 1983
Prezado Nelson Tangerini:
Chegou apenas o seu bilhete; nada de pipa nem de Murilo Mendes. Não sei coisa alguma sobre Bento Pereira Coutinho. Quem é esse cavalheiro?
Abraços de
Carlos Drummond.”
É nessa época que escrevo uma poesia a Juiz de Fora, denunciando a especulação imobiliária que descaracterizava a cidade que um dia conheci provinciana:
JUIZ DE FORA
Os velhos
Casarios
Fazem o tempo
Voltar.
E tão bom
Se assim fosse.
Habito o interior
De cada um deles.
Vasculho armários,
Vasculho gavetas,
Tateio a existência,
Sujo minhas mãos de poeira
E jamais as lavarei.
A minha poesia sairia publicada no número seguinte do jornalzinho ABRE ALAS.
Nelson Marzullo Tangerini, 53 anos, é escritor, jornalista, poeta, compositor, fotógrafo e professor de Língua Portuguesa e Literatura. É membro do Clube dos Escritores Piracicaba [ clube.escritores@uol.com.br ], onde ocupa a Cadeira 073 – Nestor Tangerini.
nmtangerini@gmail.com, nmtangerini@yahoo.com.br