tola esperança

À meia-noite de dentro do quarto é possível enxergar o dia que passou com um melhor ângulo. Dou uma volta pela casa e não consigo deixar de olhar para o telefone e fingir que não espero arduamente que ele vai tocar com uma esperança tola de menino desejando um presente, mas eu não sou nenhum menino.

E então é possível se lembrar com mais clareza como foi o dia. A conversa com um conhecido na esquina, a manchete de jornal, a rotina, a água que joguei na planta... tudo aquilo estava ali na minha mente pronto para ser esquecido porque o tempo não pára como dizia Cazuza. Mas tudo aquilo me fez lembrar também de quem eu sou e isso me faz lembrar o quanto o cara quem eu sou acha tolo ficar esperando o telefone tocar.

Abandono o dia e tento adormecer. Fecho os olhos e então percebo que no silêncio fica mais difícil fugir de quem eu quero esquecer. Rostos, risos e olhos voam incessantes como aves em volta da torre. As últimas palavras ainda encontram ouvidos para ouvi-las e fazê-las ecoar pela madrugada afora.

Assim quando percebo a claridade penetrando pela fresta da janela fico sabendo que a noite está indo embora dando lugar a um novo dia. Penso em traçar planos enquanto lavo o rosto. Guardo no bolso o que sobrou do dia anterior. Antes de sair olho de novo para o telefone: a mesma esperança tola de que ele toque. Mais um dia sem você.