FUGAZ E VERDADEIRA

À N. Martins, olhos de capitu.

Desvencilhou-se de mim, quando ainda era madrugada, a mais bela das mulheres com quem reparti o pão do desejo. Partiu como chegou:com céu repleto de estrelas e aquele frescor de madrugada a invadir os pulmões. Não permitiu que a claridade da manhã , luz tênue que fosse, incendiasse seus traços, denunciando imprecisões estéticas, relevos deslocados aqui e ali. Optou pelo caminho mais longo e adotou a tática de retirar-se do campo de batalha quando ainda a guerra se prenunciava distante. Evitou, assim, escutar os primeiros estampidos da artilharia conjugal aquela mulher.

Madrugada, no idioma universal dos amantes, traduz o enlevo geral que adorna o romance, o aconchego se estabelece, estreito e forte, clamando pela continuidade. É ainda aquele momento onde as palavras pouco têm valor e um curto beijo demora mais que um discurso longo, eloqüente que seja. Nesse estado d'alma abraços substituem juras e o corpo cálido é a própria declaração . Juntos, entrelaçados, só desejam assim permanecer sem que ninguém os incomode.

Vivíamos esse ânimo interior quando Geovana partiu. Deixou-me sem que houvesse tempo para a razão entender a sua presença. Saiu-se de mim quando ainda buscava compreendê-la.

É lugar comum que as falências amorosas não causam boas lembranças. Falir no amor é atirar ,em anos vindouros, dores e e amargas inquietações. Sucumbir, porém, adormecido no seio de Geovana evoca a mais bela lembrança que um romance pode suscitar.

Separam-se os que viveram um amor quando as diferenças a volumam-se e engolem os enamorados de ontem e contendores de hoje. Deixam-se quando já queimaram o último rojão celebrativo. Abandonam-se apenas quando as taças do vinho suave da ternura já estão vazias e sujas.

Geovana muniu-se de uma sabedoria verdadeira e interrompeu a sinfonia nas melhores e mais belas notas. Inverteu a lógica humana da convivência e arvorou-se em mestra do amor. Deu-me lições. Ensinou-me que a paixão assemelha-se aos salões de baile. Nesses, manda a regra que munca cheguemos por primeiro e também não sejamos o último a deixá-lo. Restei só, boa música e nenhuma disposição para compreender as (des) razões humanas, femininas que sejam.

Wanderlan
Enviado por Wanderlan em 21/03/2006
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