MÃOS VAZIAS

A velha dizia suas orações, sabe-se lá o quê. Ali, a dez metros do cruzeiro, estava o primeiro cabaré, o mais central por onde a Véia Rota passava com seus trapos fedidos, até alcançar o centro da cidade e tomar sua primeira cachaça do dia. Foi naquele pedaço de chão, próximo à cruz do Redentor, que Milton Belo foi morto. Até hoje, não se sabe por quem, nem por quê.

Talvez a velha orasse pela alma do finado Milton Belo ou por si mesma. Nunca se sabe o que se passa dentro de um coração fechado, nem numa vida sem amores, sem cores – uma vida em preto e branco ou só em preto, porque a cor preta é exatamente a de ausência de cores. Luto profundo de vestes e mente. Perdera ela o marido? filhos? Perdera tudo que tinha, ou nunca tivera nada para perder!? Aquela alma sofrida, um dia, foi chamada à presença do Criador. Sem medo, apresentou-se como era - despida de maldades e sem nada nas mãos.