POESIA E POEMA
POESIA E POEMA
Nelson Marzullo Tangerini
Naquele momento em que estudava Comunicação e, ao mesmo tempo, escrevia coisas que pareciam ser poesia, uma dúvida atroz pairava sobre minha cabeça...
Qual seria a diferença entre poesia e poema?
Recorri ao mestre Aurélio Buarque de Hollanda, em busca da definição:
“Poesia. [Do gr. poíesis. ‘ação de fazer algo’, pelo lat. poese + -ia.] S. f. 1. Arte de escrever em verso. 2. Composição poética de pequena extensão. 3. Entusiasmo criador; inspiração. 4. Aquilo que desperta o sentimento do belo. 5. O que há de elevado ou comovente nas pessoas ou nas coisas. 6. Encanto, graça, atrativo. * Poesia pura. Corrente da poesia moderna que renuncia à expressão de sentimentos individuais e ao material anedótico.
“Poema. [do gr. Poíema, ‘o que se faz’, pelo lat. Poema.] S. m. 1. Obra em verso. 2. Composição poética de certa extensão com enredo. [Dim. irreg.: poemeto.] 3. Epopéia. 4. Mús. composição de estrutura livre. Para instrumento único ou instrumento solista. * Poema sinfônico. Peça instrumental em um só movimento e de caráter descritivo, de forma muito livre.”
Mas foi Drummond, poeta da 2ª fase do Movimento Modernista, quem melhor definiu, para mim, a diferença entre Poesia e Poema. E ainda nos deixava uma opinião sua a respeito de algumas produções consideradas, para muitos, como textos poéticos.
Talvez até o gauche estivesse fazendo uma crítica à minha poesia, por receio meu, poucas vezes mostrada ao ilustre itabirano:
“Rio, 5 de julho, 1982.
Prezado Nelson:
A diferença clássica entre poesia e poema está nos dicionários. A poesia, além de gênero literário, é composição poética de pequena extensão. E poema, composição poética de certa extensão, é um enredo. Isso, tradicionalmente. Entre nós, ainda se ouve uma ou outra pessoa, em geral mais antiga, dizer que “leu uma bela poesia”. O resto diz “um belo poema”. Creio que a mudança ocorreu com o advento do Modernismo. Já não se fazem poemas épicos, como em tempos passados, e todo mundo faz poemas, que às vezes não são nada, pois lhe falta, além de pressa, um mínimo de organização verbal e rítmica. É isso aí.
Uma vez que você apurou ser mesmo do Onestaldo o livro de Bandeira, dou-lhe o telefone do destinatário: ..... Acho melhor que a iniciativa seja de você.
O abraço cordial de
Carlos Drummond”.
É uma responsabilidade enorme estar diante de uma folha de papel em branco. Ela, um dia foi parte de uma árvore, um ser que perdeu a vida para que escrevêssemos documentos, bobagens e/ou o que nos incomoda lá dentro da alma.
Sim, escrever é uma grande responsabilidade. É, antes de tudo, respeitar as florestas, que nos dão ar puro, frutas, sombras, uma bela paisagem e inspiração poética.
Em A FOLHA, o nosso poeta valoriza a existência de uma simples árvore:
“A natureza são duas.
Uma,
tal qual se sabe a si mesma.
Outra, a que vemos. Mas vemos?
Ou é ilusão das coisas?
Quem sou eu para sentir
o leque de uma palmeira?
Quem sou eu, para ser senhor
de uma fechada, sagrada
arca de vidas autônomas?
A pretensão de ser homem
e não coisa ou caracol
esfacela-me em frente à folha
que cai, depois de viver
intensa, caladamente,
e por ordem do Prefeito
vai sumir na varredura
mas continua em outra folha
alheia a meu privilégio
de ser mais forte que as folhas.
Eis aí, amigos, uma poesia de Drummond, mostrando a fragilidade da vida e a pretensão humana de se achar superior a todos os outros seres que dividem conosco o mesmo oxigênio e a mesma água ainda existentes no planeta Terra.
Nelson Marzullo Tangerini, 53 anos, é escritor, jornalista, poeta, compositor, fotógrafo e professor de Língua Portuguesa e Literatura. É membro do Clube dos Escritores Piracicaba [ clube.escritores@uol.com.br ], onde ocupa a Cadeira 073 – Nestor Tangerini.
nmtangerini@gmail.com, nmtangerini@yahoo.com.br