La Belle de Jour

Tipicamente dominical: nada abre, nada funciona. Tudo parado, a casa vazia. O calor castiga, a programação televisiva também. Ainda bem, porque do contrário travaria um embate terrível com o sofá da sala, cujo tecido chega a melar as pernas.

Menos pior, enfrentar o estofamento da cadeira em que agora estou, a frente do computador. Entrar no msn e encontrar alguém interessante conectado, essa é a primeira aventura do meu dia. A segunda: convencer alguém que o meu papo também é muito interessante, para que o resto da minha tarde seja, no mínimo, agradável, por inteiro.

Mas ela está off line. Ela é A pessoa interessante. Pelo menos a única que me interessa agora. Fiquei frustrada. Enquanto ela não chegar, nada afastará meu tédio nesse dia. Abro a janela de conversa mesmo assim, e me demoro nessa fotinha linda, que sorri para mim... Esqueço do status off, e começo a escrever.

Sem respostas; mas, não é preciso respostas, não faço perguntas. É que eu, cativa do seu sorriso, reparo na paisagem e me lembro daquela viagem ao Nordeste, sobre a qual ela me contou assim que chegou. Essa fotinha é de lá. Reparo nas alças do vestidinho azul, e me vem a personificação da musa da Praia de Boa Viagem. Inevitável, abro aqui outra janela, acesso a rádio da UOL e peço: La Belle de Jour, com Alceu Valença. E um outro presente: um pout-pourri com a música Girassól, do mesmo artista. Clico no "play" e no "repeat". E me deixo levar por esse balanço litorâneo; por essa melodia gostosa e praiana.

Só não fecho os olhos, porque a sua foto é hipnotizante. Agora faz um calor, não mais causticante como o que sentia outrora; mas o sol se torna parte desse cenário que vejo pela janela do carro dela. Eu estou no banco do carona do carro, e pela janela entra a luz e a brisa. Aqui também não venta, mas os seus cabelos na foto me convencem do contrário, estão em movimento... A voz de Alceu Valença é o sopro que mexe com os meus cabelos. Nunca alguém me faria uma proposta mais interessante neste domingo: uma viagem de carro para Recife. É o que faço com ela agora, pegamos estrada. É deliciosa essa sensação. À minha frente, pela janela atrás do computador, vejo uma palmeira linda e altiva. Iludo-me e a transformo em coqueiro, algum que vejo pela janela do carro, durante esse nosso passeio.

Nosso, porque ela está aqui, sorrindo para mim. De óculos escuros, madeixas desorganizadas, e rindo, porque ela também está feliz. Nós somos felizes uma com a outra.

..."Belle de jour, Belle de Jour!"...

Agora que recriei os elementos principais, posso fechar meus olhos e continuar mais calma e prazeirosamente essa viagem. Vê-la ao meu lado, dirigindo. E digo a ela que a quero de vestido, de vestido azul: porque ela é moça do meio da tarde de um domingo azul, ela é a bela da minha tarde. Belle de Jour!

E paramos, tiramos fotografias, apreciamos a paisagem, fazemos gracinhas... Contemplamos o mar! Bravias e caudalosas águas! E muito mais intensa do que essa viagem até a Praia de Boa Viagem, é a viagem que faço pelo corpo dela, com meus olhos. É a viagem que faço através dos olhos dela: pinturas dinâmicas, emolduradas pela carne fina e branca do seu rosto. Tênue e sensualmente marcada pelo tempo.

E esta imagem permanece latente dentro de mim, e a carregarei para sempre, por todas as nossas outras viagens. A imagem de uma belíssima mulher que através de seu sorriso encantandor me tira do meu próprio "eu" e me leva a qualquer lugar que queira. E eu vou.

Mas já é tarde, e preciso voltar. Ou melhor, sair daqui. O domingo se vai, e a segunda-feira não perdoa. Regresso a mim, já com saudade. Desligo o rádio, fecho o meu msn. Começo a finalizer os programas do meu computador. Essa viagem foi um prazer!

E eu espero até o próximo destino.