Bartíra – Volta Federal.
- Vamos dar uma parada para relaxar em algum lugar e tomar uma gelada? Depois desse balde de água fria que tomei hoje estou necessitando.
- Tudo bem. Só que quero fazer isso perto de casa. No noticiário dessa manhã estava marcando chuva pro final do dia. Pode ser?
- Só quero sentar e tomar uma!
Depois de passarmos por um embate com uma repartição pública na busca de nossos direitos estávamos estressados. Quem não fica? O problema é que não queria ficar longe de casa estando de motocicleta e sem equipamento para chuva, molhar tudo é muito ruim, documentos, calçados, ganhar uma gripe... Então ficou decidido que ela iria tomar a gelada na padaria, muito mais barato e conversa-se como em botequim. Eu ficaria na água gasosa com limão. Ordens médicas! Por isso não estava assim tão empolgado com esse “maravilhoso” programa de final de tarde. Mas quem pode com uma mulher irritada e doida pra comentar e reviver uma situação, encontrar “amigos” para contar suas desventuras. Companheiros de copo são feitos pra isso mesmo, aturar as mazelas uns dos outros, cada um fala o quer e escuta o que não quer.
O bom de ficar de careta é assistir os outros virando monstros. Pode parecer impossível, mas é verdade. Eu feito um biruta tomando água em meio tantos seres desejosos de se embriagar, tinha que arrumar alguma distração. Ver como a mente vai ficando cada vez menos concisa, repetitiva, o volume das vozes subindo e a flexibilidade de pensar diminuindo na medida que o álcool é consumido, todo um ambiente em que o careta pode explorar, uma verdadeira jazida de manifestações da psique humana.
De início tudo calmo, primeira cerveja, queijinho de tira gosto, um ambiente sério. Com o cair da noite começam a aparecer os amigos para tomar uma também. A uma abundância de pessoas conversando deveria corresponder a uma maior diversidade de idéias, maior número de vivências correspondendo a maior riqueza de assuntos a serem debatidos, nada disso! Depois de umas a coisa só piora, se não concordar com o alterado dominante fica-se horas conversando a mesma coisa, todos tentando convencer o mais próximo da veracidade e eficiência de suas idéias. Eu que não sou nenhum atleta, adoro uma mesa farta, fiquei envolto em duas horas e meia de discussões sobre alimentação, males da carne vermelha, legumes e verduras, arroz e feijão, parecia um programa de culinária às avessas. Eu ali com uma fome danada e não podendo sair da maldita dieta prescrita!
A coisa evoluiu sim, não ficamos só conversando sobre pratos de comida... Começou-se a conversar sobre como fulano ou beltrano encarava a coisa, finalmente e inevitavelmente voltando ao mundo do Eu. Você não sabe o que é isto? Eu explico: Cada um só fica dizendo como faz isso ou aquilo, como prepara alhos ou bugalhos, como encara gregos ou troianos... Eu isso... Eu aquilo... Olha, pra quem está de careta é uma verdadeira tragicomédia.
Acabei conseguindo sair dali com a promessa de passar em outro barzinho para tomar a saideira. Ao chegar fui atravessando o bar para poder ir ao banheiro, acredite se quiser, um grupo de conhecidos estavam falando sobre problemas de colesterol e como não poderia deixar de ser sobre dietas. Ainda bem que a única mesa vaga era lá na calçada, não suportaria outro embate alimentício. Suca, minha parceira nessa empreitada, já estava ficando prejudicada pelos efeitos do álcool. Por vezes me encarava e dizia que beber com caretas é perigoso, eles ficam prestando muita atenção nas coisas e depois ficam cobrando o que foi dito.
Acreditem se quiserem, concordei com coisas que não concordaria de forma alguma, mas afinal eram apenas idéias, no dia seguinte algumas não valeriam mais nada. Discuti nossa relação, sofri atentados de ciúmes, cobranças de relacionamentos passados, ameaças se não aceitasse ajuda financeira, finalmente me explicaram como os homens exploram as mulheres, como incomoda um “pneuzinho”, como se eu não tivesse os meus. Soube que fiz sexo com amigas, olha que eu gostaria de ter feito boa parte do que me imputam, mas isso não é nada!
Soube que já estava na hora de ir pra casa quando eu era o único que mantinha a voz baixa e estava começando a acompanhar o assunto de mais duas mesas próximas. Era muito pra minha cabeça. Acreditem, a palavra que mais se ouvia era cerveja... Cerveja... Tinha uma mesa que a discussão ruidosa era sobre ela... Suca já debatia o papel da saideira na sociedade carioca... O dono do bar alertando que eram as últimas cervejas a serem servidas... Começou a esvaziar... Estava até ficando mais calmo o ambiente!
Na manhã seguinte, já voltando da feira, dei uma parada na beira da praia, a chuva fina caía em meio uma névoa que escondia o horizonte, foi nesse instante que mais me diverti com a noite passada nos bares. Suca sorria, gargalhava por vezes e dizia: Não falei que beber com caretas é F!
Pra quem ainda não conhece Bartira é a grande vilã dos que andam em bares: Bar tira teu dinheiro; Bar tira tua saúde; Bar tira sua idoneidade; Bar tira e tira... éééé... E tira mesmo!
A. Luiz Canelhas Jr. – 08/10/2006
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Saquarema - RJ