O REAL NOS CONTOS DE FADA III _ O GATO DE BOTAS
Sempre que a população aumentava, a propriedade da terra se fragmentava e estabelecia-se o empobrecimento O homem do início da era moderna não entendia a vida de uma maneira que o capacitasse a controlá-la. A mulher do mesmo período não conseguia conceber o domínio sobre a natureza, e então dava à luz, quando Deus queria — como fez a mãe do Pequeno Polegar. Mas o casamento tardio, um curto período de fertilidade e os longos espaços de amamentação ao seio, que reduzem a probabilidade de concepção, limitavam o tamanho de sua família. O limite mais duro e mais eficaz era imposto pela morte,a sua própria e a de seus bebês, durante o parto ou na infância.
Os filhos natimortos, chamados chrissons, eram algumas vezes enterrados informalmente, em túmulos coletivos anônimos. Os bebês eram, algumas vezes, sufocados por seus pais. Famílias inteiras se apinhavam em uma ou duas camas e se cercavam de animais domésticos, para se manterem aquecidos. Assim, as crianças se tornavam observadoras participantes, das atividades sexuais de seus pais. Ninguém pensava nelas como criaturas inocentes, nem na própria infância como uma fase diferente da vida, (a criança era vista como um adulto em miniatura), claramente distinta da adolescência, da juventude e da fase adulta por estilos especiais de vestir e de se comportar. As crianças trabalhavam junto com os pais, quase imediatamente, após começarem a caminhar, e ingressavam na força de trabalho adulta como lavradores, criados e aprendizes, logo que chegavam à adolescência.
Os camponeses, no início da França moderna, habitavam um mundo de madrastas e órfãos, de labuta inexorável e interminável, de emoções brutais, tanto aparentes, como reprimidas. A condição humana mudou tanto, desde então, que mal podemos imaginar como era, para pessoas com vidas realmente desagradáveis, grosseiras e curtas. É por isso que precisamos reler Mamãe Ganso. Consideremos três das histórias mais conhecidas da Mamãe Ganso de Perrault — “Gato de Botas”, “Pequeno Polegar”, “Cinderela”. (CONTINUA)