Crônica do final de tarde
Eu sabia que o remédio não desceria fácil por conta da garganta mais estreita naquele dia. Era um risco que eu correria: ficar com a cápsula entalada bem no meio da guela, assim como algumas palavras perdidas que não tiveram sucesso em formar frase alguma para dizer alguma coisa importante. Muitas vezes é assim: quando temos algo importante a dizer, gaguejamos. Ou absolutamente não encontramos palavras. É um estado de impotência. Elas, as palavras, ficam perdidas ali naquela vila da garganta, e não passam.
Entrei na livraria para deixar que um livro me escolhesse. Estava sentindo essa necessidade visceral, porque sem ler não escrevo, só repito. Canso como um apito na orelha. Então me dirigi à seção de literatura brasileira e fui logo perguntando por um livro que uma amiga muito querida me indicou. Mas fui consciente de uma coisa: a escolha do livro é extremamente pessoal, é pelo momento, é pelas convergências que existam entre o livro e o ser. Sabia que eu não seria escolhida pelo livro da minha amiga, mas ainda assim fui checá-lo (mania cansativa de ver as opções).
Larguei logo o livro e voltei para a seção. Fiquei zureta com o mundo de opções de títulos autores novidades estilos, mas não me entreguei ao desespero. E corajosamente fiquei diante daquelas estantes sem nenhuma expectativa. Eis um grande segredo para se viver esta vida. Em tudo: não ter expectativas. Fiquei ali, sem fixar meu olhar, deixando que ele se atraísse de repente para algum lugar. E de repente: Lygia Fagundes Telles. Tinha um livro exposto dela, mas ainda não era ele. Desviei um livro para a esquerda e bingo: meu coração pulsou diferente. O livro era fino, sem grandes intelectualidades, linguagem simples, poética: o que eu queria para aquele momento. Levei-o comigo.