DESABAFO
Fui criada no interior, de forma simples, bem mineira. A cidade grande sempre me seduziu, com o seu universo de possibilidades. Os meus princípios morais são comuns, mas sem viseiras.
Sinto nostalgia do meu tempo de infância: em que mães, pais, avós, tios, professores eram autoridades merecedoras de respeito e consideração. Inimaginável, responder-lhes com falta de educação. Respeitávamos todos os adultos porque víamos neles pais e mães de todas as crianças da rua, do bairro, da cidade. Eles eram os nossos heróis. Quando tínhamos um problema, contávamos para um adulto que estivesse perto e ele os resolvia. Com as outras crianças, tínhamos uma amizade sincera, cheia de companheirismo e confiança.
Assim como para mim, para a maioria das crianças, uma preocupação pueril em relação à segurança era a de que fôssemos chamados atenção pelos fiscais “lanterninha” do cinema ao nos pegar com os pés no chão ou por jogar pipoca nos outros, quando muito um beliscão ou um beijo roubado no rosto, nas matinês de domingo.
Quando se ouvia falar de medo era do escuro, de sapo, de cobra, do bicho-papão, da mula-sem-cabeça, de fantasmas, de filmes de terror, onde o imaginário povoava as mentes... Muitas vezes, essa era a forma errada, mas bem intencionada, que muitos pais usavam para fazerem os filhos dormirem na hora certa, não andarem no escuro, não irem sozinhos para o meio do mato, não se aventurarem pelas ruas da cidade...
Às vezes, dá-me uma tristeza infinita por tudo que perdemos. As crianças hoje, já crescem escutando: cuidado com o desconhecido! – perigo! - e olham até para a outra criança, que vêem pela rua, com desconfiança - temem que ela também possa ser um perigo. Têm medo de gente! Que mundo é este que nos descortina o medo estampado no olhar de crianças, jovens, velhos e adultos, de cada um de nós? O que ele pode oferecer aos filhos do futuro? O que eles ainda temerão? Matar os pais, os avós, violentar crianças, seqüestrar, roubar, enganar, passar a perna ... tudo virou banalidade de notícias policiais, pois surgem outras e mais outras ...
Ando pela cidade e é a PAZ a mercadoria em extinção que quero dar e receber. Precisamos dela nas na porta das escolas, nas calçadas, no trânsito, na fila do banco, no elevador, no futebol e, principalmente, dentro de nossas casas. Nós, como cidadãos, não somos obrigados a amar ninguém, mas podemos que ser mais tolerantes e respeitar o outro propiciando um relacionamento amistoso para que todos, sem exceção, tenham paz, que também é critério de qualidade de vida.
Os nossos atos e as nossas palavras podem gerar dor ou alegria. Por que não doarmos o que temos de melhor? Esta é a grande semente. A Lei do Bumerangue - causa e efeito - existe. Não é apenas filosofia. São atitudes como esta que nos trazem a paz e, ao ensina-las ao outro, estaremos cumprindo a nossa tarefa para que ‘amar ao próximo como a nós mesmos’ não seja apenas uma ilusão idealista. O Brasil é visto como o maior pais cristão do mundo. Motivo de orgulho, mas morreremos de vergonha se for constatado que são falsos estes cristãos.
Então, conclamo a toda a sociedade: família, educadores e religiosos -eduquem para prevenir; autoridades: combatam e punam qualquer tipo de violência para inibir esta prática lastimável. Que cada um faça a sua parte. Precisamos de um mundo melhor para viver! Precisamos deixar um mundo para os filhos do futuro!
CRUZ, Ana da. Desabafo. In: AbraçArte BH – A Arte Pede Paz! (Manifesto) Belo Horizonte: CONTROL-Arte e Editora Gráfica, 2003.
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