QUADRO PERFEITO
QUADRO PERFEITO
Resolvemos sair, um filme de última sessão talvez...
Vamos de taxi, os três juntinhos no banco de trás trocando paz e sentimento de conforto de alma por estarmos juntos. Alegria. Serenidade e júbilo, em pleno Rio de Janeiro, no Botafogo bem diante do Pão de Açúcar e a Baia da Guanabara.
No elevador pro oitavo andar, apertado de gente pra mesma diversão, a ascensorista, meio idosa, tem bom humor e confraterniza com os passageiros, sorrindo e falando coisas; sabe levar seu trabalho monótono em festa diária, que a sabedoria cria, já é parte da festa.
Festa, porque o que fazemos hoje é raro de se fazer, sessão de meia-noite, de pré-estréia, uma multidão de todo tipo de jovens, rapaziada, de casais, amigos em grupos misturam-se procurando mesas, escolhendo pratos depois de já terem ido comprar seus ingressos pra última sessão.
O som à volta é tão forte e variado que, em outra hora, seria incômodo, mas naquele momento procurado é alegria, é contato humano, urbano, popular, coisa alviçareira bem diversa da paz em solidão de conjugado na Glória.
Enquanto conversamos animadamente os três em papo interessante, absorvo o som, a energia daquela massa humana, e observo uma criancinha brincando no piso do shopping entre passadas pra lá e pra cá dos que chegam ou saem e me preocupa aquela mãozinha levar micróbios à boca, e comento com meus filhos e ficamos a olhar aquela coisinha despreocupada usando sua energia naquele chão, e meu filho comenta menos preocupado “que não é perigoso, pois no celular há uma concentração muito maior de contaminações mais graves, de modo que o chão não apresenta risco pro bebê”.
A mãe percebe que observamos, e pega o filho ao colo. Que, em seguida, é posto pelo pai em cima da mesa, sentadinho, e a criança tranquilamente se põe a rasgar em tiras a toalha de papel da mesa e guardanapos, caprichando e saboreando as tiras que vai fazendo. O pai é jovem, modesto, comum e, enquanto segura as perninhas dando segurança à criança, volta-se a meio para trás e beija amorosamente a boca da companheira, que retribui aqueles lábios de amor, confiantes e seguros no pequeno mundo que estão construindo para si mesmos, alheios ao restante do local.
Um quadro de tamanha harmonia e tranqüilidade que fico olhando encantada aquela cena tão pouco comum, neste mundo de decadência humana e de horrores mundiais em todos os setores da vida... Parece um quadro de pintor antigo espraiando luz dourada de um fundo mesclado, indistinto, nada mais existe além da felicidade deles, só eles três são e acontecem...O bem daquilo chega até mim e comento com meus filhos,maravilhada. Eles observam e se voltam para si mesmos.
Estamos concluindo nossa refeição e a sessão já vai começar. Apressamo-nos. Deixo-os pagando a conta e peço licença para uma palavrinha ao casal. Respeitam o meu agir, já sabido deles, imprevisível, que eu chamo espontâneo, vou até o casal e peço licença.
Eles me acolhem sem receio: ”me desculpem, mas estou tão encantada de ver vocês com esta sintonia, uma coisa tão linda, quero cumprimentá-los pela beleza de vocês e desta coisinha linda que têm que é muito modese, lindo, lindo...” Ela, feliz: “o nome dele é Miguel, fala obrigada meu filho...”
Eu continuo _ “Que Deus o proteja sempre em toda a vida com muita saúde e felicidade... Eu o abençôo. Que seja sempre feliz, e venho para frente dele e olho dentro dos seus olhos. Ele me olha também gostando, manso com os enormes olhos negros de total pureza e brilho confiante aceitando a fada que passou em sua vida, dando-me o presente deste olhar precioso, enriquecida...
Volto para meus filhos, e vamos céleres para a última sessão, alegremente...
MLUIZA MARTINS