Tarde chuvosa de fim de outono
Tarde chuvosa de fim de outono
Nesta cidade que adotei por minha e que amo acima de todas as outras, apesar do trânsito caótico, da violência urbana, de ficar fechada em casa enquanto os bandidos estão soltos lá fora, de não ter tempo ou disposição para visitar os amigos ou até mesmo telefonar-lhes; nesta segunda-feira de fim de outono, apesar de tudo, sinto em minha alma um raio de esperança. Aqui passei boa parte de minha juventude, conheci pessoas maravilhosas e outras nem tanto, Encontrei o homem de minha vida que me apóia e acompanha já faz 37 anos, que me deu meus filhos queridos; fiz a faculdade com a qual sempre sonhei; dei aulas, às vezes boas, outras medíocres, mas sinto que deixei minha marca em algumas alunas que, de repente, encontro num cinema ou num shopping; nesta cidade embrutecida, cultivo flores e tenho bananeiras no quintal.
Nesta cidade cinzenta, sinto um sentimento muito forte de pertencer à humanidade, de compartilhar as dores e alegrias dos outros, de encarar os percalços como lições a ser aprendidas, de considerar aquele mendigo maltrapilho e mal cheiroso como meu irmão e indagar-me como foi que ficou assim, onde está sua família, por quê abandonou os sonhos, por quê caiu na armadilha das ruas perigosas e traiçoeiras que agora são o que ele chama “lar”. Recuso-me a acreditar que não haja salvação para o mundo, que mudar torna-se impossível, que não há futuro para as gerações vindouras.
Nesta cidade fria e nublada, olhando a chuva forte que cai e vai inundar tantos bairros, causando tantos prejuízos e até mortes, volto a afirmar minha crença profunda de que nada está perdido, que, um dia os homens se olharão com um grande sorriso e, como dizia Saint Exupéry, parecerão prisioneiros libertados que se maravilham com a imensidão do mar.
São Paulo, 20 de junho de 2005