Jangadinhas
e jangadeiros
Existe em cada cearense um desejo enorme de escrever alguma coisa sobre a jangada e sobre o jangadeiro. Me confirmam isso os amigos pais-d´éguas, em eventuais tertúlias literárias aqui, em Salvador, e em Fortaleza.
Escrever, nem que seja um texto pífio; como este, que você, caro leitor,andando pelos intermináveis e surpreendentes caminhos da Internet, acaba de descobrir.
Saiba, ó, meu amado leitor, que é difícil rabiscar algo novo sobre a jangada e o jangadeiro.
Por este mundo afora circulam prosas magníficas e versos deslumbrantes cantando a beleza da jangadinha e exaltando a intrepidez do jangadeiro que, segundo Luís da Câmara Cascudo, repete "na sua faina, diariamente, o milagre do Cristo andando sobre o mar".
A jangada, que de acordo com as pesquisas do Cascudo nasceu na Índia, é, sem dúvida, o cartão-postal do Ceará. E que o seja pra sempre.
Ela alinda as encantadoras praias e os mares revoltos da terra de Alencar que, em Iracema, a envolveu em doce e terna estória.
- "Onde vai a afouta jangada, que deixa rápida a costa cearense, aberta ao frescor terral a grande vela?"
A jangadinha, "a expressão mais rude e primitiva da navegação", é, na pena cabeça-chata do escritor Hermes Lima, "um estrado de cinco paus roliços e linheiros, unidos entre sí por alguns cravos de madeira; dois bancos, um em cada ponto, um, para o mestre da embarcação, o outro, para prender o mastro com a vela triangular.
E tem como equipamentos, prossegue Hermes Lima, "um barrilzinho d´água; a "quimanga" da comida; a tapinambaba, novelo das linhas de pesca; a âncora feita de uma pedra grande, o tuaçu, presa na ponta dum cabo forte chamado poita. Paus para matar o peixe; um samburá para o paiol da pescaria. E, em volta de tudo, como aura de epopéia, o clima de uma coragem descomunal." É este o melhor retrato de uma jangada.
Quando estive, recentemente, em Fortaleza - em mais um reencontro com os meus "mares bravios" -, acompanhei, na praia do Mucuripe, o vaivém de mais de uma dezena de jangadas de velas colorida; e a labuta dos jangadeiros enfrentando o mar, num dia meio zangado!
Brigando com uma enorme onda, um deles desapareceu, quando eu torcia, discretamente, por sua chegada à praia.
Teria morrido? Perguntei ao oceano, fixando com dificuldade os óculos no centro do nariz, não mais conseguindo vê-lo...
Incontinenti, me veio à lembrança este soneto do padre Antônio Tomás, um príncipe da poesia alencarina, sobre a morte do jangadeiro.
"Ao sopro do terral abrindo a vela
Na esteira azul das águas arrastadas,
Segue veloz a intrépida jangada,
Entre os uivos do mar que se encapela.
Prudente, o jangadeiro se acautela
Contra os mil acidentes da jornada;
Fazem-lhe, entretanto, guerra encarniçada
O vento, a chuva, os raios, a procela.
Súbito, um raio o prostra e, furioso,
Da jangada o despeja na água escura
E, em brancos véus de espuma, o desditoso
Envolve e traga a onda intumescida,
Dando-lhe, assim, mortalha e sepultura
O mesmo mar que o pão lhe dera em vida."
A tarde começava a morrer. Pedi um peixe frito, uma cervejinha, e continuei aplaudindo a bravura de outros filhos do Dragão do Mar.
Despedi-me da praia, com o sol se escondendo nas ondas bravias do Mucuripe. Mas ainda vi, saindo para pescar, uma jangadinha solitária. Levava, no seu "estrado de cinco paus", o mestre Joaquim, meu companheiro de cerveja, pouco antes, num boteco da beira-mar.
E me pus a imaginar como seria a pescaria dele, naquela noite. Velejaria tranqüilo? Voltaria para casa no clarear do dia? Ou "o mesmo mar que o pão lhe dera em vida", lhe daria, naquela dia, "mortalha e sepultura"?
Jangadinhas de Iracema, enleio permanente dos "verdes mares bravios" do meu Ceará, que bons ventos te levem e te tragam todas as manhãs; todas as tardes; todas as noites...
e jangadeiros
Existe em cada cearense um desejo enorme de escrever alguma coisa sobre a jangada e sobre o jangadeiro. Me confirmam isso os amigos pais-d´éguas, em eventuais tertúlias literárias aqui, em Salvador, e em Fortaleza.
Escrever, nem que seja um texto pífio; como este, que você, caro leitor,andando pelos intermináveis e surpreendentes caminhos da Internet, acaba de descobrir.
Saiba, ó, meu amado leitor, que é difícil rabiscar algo novo sobre a jangada e o jangadeiro.
Por este mundo afora circulam prosas magníficas e versos deslumbrantes cantando a beleza da jangadinha e exaltando a intrepidez do jangadeiro que, segundo Luís da Câmara Cascudo, repete "na sua faina, diariamente, o milagre do Cristo andando sobre o mar".
A jangada, que de acordo com as pesquisas do Cascudo nasceu na Índia, é, sem dúvida, o cartão-postal do Ceará. E que o seja pra sempre.
Ela alinda as encantadoras praias e os mares revoltos da terra de Alencar que, em Iracema, a envolveu em doce e terna estória.
- "Onde vai a afouta jangada, que deixa rápida a costa cearense, aberta ao frescor terral a grande vela?"
A jangadinha, "a expressão mais rude e primitiva da navegação", é, na pena cabeça-chata do escritor Hermes Lima, "um estrado de cinco paus roliços e linheiros, unidos entre sí por alguns cravos de madeira; dois bancos, um em cada ponto, um, para o mestre da embarcação, o outro, para prender o mastro com a vela triangular.
E tem como equipamentos, prossegue Hermes Lima, "um barrilzinho d´água; a "quimanga" da comida; a tapinambaba, novelo das linhas de pesca; a âncora feita de uma pedra grande, o tuaçu, presa na ponta dum cabo forte chamado poita. Paus para matar o peixe; um samburá para o paiol da pescaria. E, em volta de tudo, como aura de epopéia, o clima de uma coragem descomunal." É este o melhor retrato de uma jangada.
Quando estive, recentemente, em Fortaleza - em mais um reencontro com os meus "mares bravios" -, acompanhei, na praia do Mucuripe, o vaivém de mais de uma dezena de jangadas de velas colorida; e a labuta dos jangadeiros enfrentando o mar, num dia meio zangado!
Brigando com uma enorme onda, um deles desapareceu, quando eu torcia, discretamente, por sua chegada à praia.
Teria morrido? Perguntei ao oceano, fixando com dificuldade os óculos no centro do nariz, não mais conseguindo vê-lo...
Incontinenti, me veio à lembrança este soneto do padre Antônio Tomás, um príncipe da poesia alencarina, sobre a morte do jangadeiro.
"Ao sopro do terral abrindo a vela
Na esteira azul das águas arrastadas,
Segue veloz a intrépida jangada,
Entre os uivos do mar que se encapela.
Prudente, o jangadeiro se acautela
Contra os mil acidentes da jornada;
Fazem-lhe, entretanto, guerra encarniçada
O vento, a chuva, os raios, a procela.
Súbito, um raio o prostra e, furioso,
Da jangada o despeja na água escura
E, em brancos véus de espuma, o desditoso
Envolve e traga a onda intumescida,
Dando-lhe, assim, mortalha e sepultura
O mesmo mar que o pão lhe dera em vida."
A tarde começava a morrer. Pedi um peixe frito, uma cervejinha, e continuei aplaudindo a bravura de outros filhos do Dragão do Mar.
Despedi-me da praia, com o sol se escondendo nas ondas bravias do Mucuripe. Mas ainda vi, saindo para pescar, uma jangadinha solitária. Levava, no seu "estrado de cinco paus", o mestre Joaquim, meu companheiro de cerveja, pouco antes, num boteco da beira-mar.
E me pus a imaginar como seria a pescaria dele, naquela noite. Velejaria tranqüilo? Voltaria para casa no clarear do dia? Ou "o mesmo mar que o pão lhe dera em vida", lhe daria, naquela dia, "mortalha e sepultura"?
Jangadinhas de Iracema, enleio permanente dos "verdes mares bravios" do meu Ceará, que bons ventos te levem e te tragam todas as manhãs; todas as tardes; todas as noites...