Chaves e fechaduras

É bom encontrar alguém tão ou mais atrapalhado do que você. Ainda mais se pede a sua ajuda e, com ela, o problema é resolvido. Pois foi o que aconteceu à tarde comigo. Verdade que a coisa não exigia talento... – o que não me diminui o feito, mas salienta o desarranjo daquela criatura. Não me perguntem o nome, impronunciável para os que teimam em usar vogais. Será indiana ou paquistanesa. Ou da Caxemira, talvez.

Entrando no prédio, topei com uma jovem a descer apressadamente as escadas, com bolsa, mochila (deixara o malão na porta do quarto) e um olhar estupefato. Ao contrário do que fizera o casal cumprimentado à noite por mim – ao dizer-lhe Buona sera!, ouvi Hi! –, a moça educadamente perguntou-me se eu falava inglês. Disse-lhe que não muito bem (e falo mal, na verdade), o que pareceu deixá-la ainda mais aflita. Ao pronunciar alguma coisa em italiano, balançou nervosamente o enorme molho de chaves à mão, facilitando-me adivinhar o imbroglio. Não conseguira abrir a porta do quarto. Entregou-me o chaveiro, não como quem pede ajuda, mas como quem acaba de encontrar o mágico! Pois não era mesmo possível abrir aquela porta, mas quem sabe torná-la aberta com sabe-se-lá-qual-prestidigitação. Cheguei à chave na terceira tentativa, abrindo a porta na segunda. De fato, era preciso uma forcinha. Não para abrir, mas antes de virar a chave, empurrando a coisa um pouco à frente. Abri-a e fechei-a duas vezes, tendo então entregue a chave à moça, para que ela própria o fizesse. Nada. Tentou três vezes, dando-se por vencida. Abri-lha mais uma vez, e ela, agradecida, disse-me o nome.

Lá pelas oito e tanto – eu já acompanhava o Telegiornale 1, um tipo de Jornal Nacional daqui –, alguém bate à porta. Ao abrir, a mesma moça, o mesmo olhar sobressaltado. “I really sorry... ” Logo pensei: o mesmo problema. Já não era a bagagem, eram as compras. Uns três ou quatro sacos de supermercado, à espera do – mágico. Dessa vez, na primeira tentativa a porta se abriu. Nervosa, pegou-me a chave, bateu a porta e pôs-se ela mesma a tentar a – mágica. Nada. Disse-lhe – em italiano, mas também com gestos (o que é já um pleonasmo) – que era preciso uma forcinha pra frente, só então girar a chave. E nada. Tentou quatro vezes! Antes de ela desfazer-se em lágrimas (ou dar cabo da porta com a cimitarra oculta), despedi-me e desci, torcendo pra que não saísse à noite.

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Na manhã seguinte, voltando, topei com a moça-de-nome-impronunciável a tentar abrir a porta – do meu quarto... Já ia descendo as escadas, pensando ter subido um lance a mais, quando, num arroubo de certeza, resolvi conferir. Ao ver que ali era mesmo o “204”, sorri e indiquei-lho, e ela, então, tomou o rumo do terceiro andar.