ELIS REGINA
A ELIS QUE EU CONHECI
Nelson Marzullo Tangerini
Conheci Elis em abril de 78, na ocasião de seu show Transversal do Tempo, no Teatro Ginástico, no Rio de Janeiro.
Logo após o show, adentrei, timidamente, pelo teatro, burlando alguns seguranças, à procura do camarim.
Quando cheguei ao camarim, não acreditei. Elis estava lá dentro com seu (ex) marido César Camargo Mariano e mais alguns amigos. Fiquei na porta esperando as pessoas acabarem de falar com ela. Não deu outra. Ela veio falar comigo e disse: - Oi, bicho (como se já me conhecesse) gostou do show? Falou isto fumegante, afinal o show exigia muito da artista. Juro que não acreditei. Eu estava diante de Elis Regina dos festivais, de Elis Regina que (en) cantou no Olimpia de Paris.
Respondi que sim, que havia gostado. E disse mais: - É a primeira vez que tenho a oportunidade de assistir a um show seu. Fico satisfeito. Você vai me desculpar uma coisa: eu vim para ver se você cantava mesmo, porque eu pensava que naquela música do Milton e do Fernando Brant, Caxangá, havia uma montagem de estúdio. Você canta pra cacete. Estou desbundado!
Ela, também timidamente, me sorriu, me beijou, me abraçou. Logo ela me fez a cabeça e aquela imagem que eu havia criado dela, de antipática, passou.
E como todo macaco de auditório, pedi um autógrafo no programa do show, próximo a uma fotografia. E ela deixou escrito: Nelsinho, tudo de bom, Elis.
Uns estão realizados por terem tido suas coisas gravadas por Elis. Sou poeta e compositor e nada meu ainda foi gravado. Mas estou feliz por ter conhecido Elis e por ela ter-me desejado tudo de bom. Mais feliz ainda eu ficaria, se ela estivesse aqui, viva, fazendo das suas, me dando alegria, levantando a minha moral quando eu estivesse down, down, down...
Elis era uma pessoa boníssima, de um coração enorme. Ela deu força a muita gente. Gente que começava (Belchior, Fagner...) e gente que estava marginalizada (como Guilherme Arantes, Rita Lee...).
Perdemos uma grande cantora, uma intérprete de verdade. Vai ser difícil preencher esta lacuna, mesmo que tenhamos ótimas cantoras como Bethânia, Gal, Simone, Zizi Possi, Vanusa...
Perdemos aquela Elis brincalhona, infantil, adulta, insegura (mas segura na voz) e forte.
Quem a conheceu, ficará eternamente se queixando da falta de uma pessoa, uma irmã, uma amiga, que nunca escondeu nada de sua vida, que mostrou o que era, que denunciou injustiças sociais, que denunciou a fome e o desemprego. Enfim, Elis cantou o Brasil: o pobre país rico.
Elis foi bonita cantando. Foi bonita cantando e ao deitar-se naquele horroroso veículo que a conduziu à sepultura. Até parece que estava sorrindo, fazendo das suas. Mais uma brincadeira da Pimentinha? Não.
E agora, Elis? Morreremos de tédio com a sua ausência, pois, Quaquaraquaquá, você nos transmitia alegria. Alegria nesta época em que só o humor pode nos levantar deste baixo astral, de saber que existem guerras, que bombas explodem na OAB, no RIOCENTRO, que se constroem bombas de nêutrons para matar semelhantes e destruir o mundo. Alô, alô, Marciano, por favor, nos ajude!
Hoje, 19/01/82, nos deixa, para sempre, a Elis Cantora, a Elis Amiga, a Elis Apaixonada, a Elis Povo, a Elis Mulher, a Elis Alegria, a Elis Humor, a Elis Debochada, a Elis Pimentinha, a Elis Irmã, a Elis Conscientizada, a Elis (acima de tudo) Mãe.
Saudades do Brasil, Elis! (*)
Nelson Marzullo Tangerini, 53 anos, é escritor, jornalista, compositor, poeta, fotógrafo e professor de Língua Portuguesa e Literatura. É membro do Clube dos Escritores Piracicaba [ clube.escritores@uol.com.br ], onde ocupa a Cadeira 073 – Nestor Tangerini.
nmtangerini@gmail.com, nmtangerini@yahoo.com.br
Blog: http://nelsonmarzullotangerini.blogspot.com/
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(*) JORNAL DO BRASIL, Caderno B, pág. 2, Rio de Janeiro, RJ, 11/02/1982.
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