TIMOR LESTE LIVRE
PEQUENO RELATO SOBRE O
HOLOCAUSTO EM TIMOR LESTE
Nelson Marzullo Tangerini
“Ali também Timor, que o lenho manda
Sândalo salutífero e cheiroso”.
Camões
in Os Lusíadas
Canto X, Vs. 134
A humanidade, mais uma vez, assistiu, passivamente, a um novo holocausto. Desta vez, esse terrível crime contra a Raça Humana aconteceu em Timor Leste, ex-colônia portuguesa, invadida pela Indonésia, em 1975, - enquanto Gerald Ford visitava Jakarta -, com o apoio dos EUA, que manipulou a mídia em todo o mundo, para que ninguém soubesse o que estava acontecendo com o povo Maubere.
Austrália (que extraiu petróleo em Timor Leste e deixou o dinheiro na mão da família Suharto), EUA, Alemanha e Inglaterra silenciaram sobre o assunto e apoiaram militarmente a Indonésia. A Alemanha, inclusive, vendeu os tanques obsoletos da finada Alemanha Oriental para o ditador Suharto, que assumiu o poder na Indonésia, há 38 anos, num golpe de estado promovido pelos EUA e que depôs Sukarno, que fazia um governo popular. Como vemos, negócios são mais importantes que vidas humanas. Este é o segredo do capitalismo.
O Brasil, país irmão em língua e religião (88% da população do Timor Leste é católica), preferiu não ficar de frente para o crime. Ninguém queria incomodar a sesta do feroz e faminto tigre asiático. Enquanto vidas humanas eram exterminadas naquele distante pedaço de terra, na Oceania, a Seleção Brasileira de Futebol era patrocinada pela Nike, produdo indonésio. Felizmente a Seleção Canarinho perdeu para a França por 3 x 0, na última Copa do Mundo. Foi a vitória dos Direitos Humanos.
Durante todos estes anos, soldados indonésios invadiram as casas dos timorenses e estupraram mulheres na frente de seus familiares – pais, filhos, tios, avós, irmãos e sobrinhos -, enquanto enfermeiros mataram bebês nas maternidades. Recém nascidos eram envenenados com detergente e ácido. Muitas mulheres grávidas tiveram seus ventres abertos com facão por muçulmanos, soldados indonésios e milicianos pró-Jakarta, na tentativa de impedirem que novos timorenses – cristãos e falantes de Língua Portuguesa – nascessem. Uma limpeza étnica para nenhum turco ou alemão botar defeito. Em menores proporções, uma vez que Timor Leste é metade da ilha do Timor, o holocausto do povo Maubere pode ser comparado ao dos povos Armênio e Judeu – este último, com perda de mais de 6.000.000 de seres humanos. Até agora, naquela pequenina ex-colônia portuguesa, mais de 300.000 pessoas foram assassinadas com a complacência do Ocidente, desde 1975.
As ONGs que divulgavam tais crimes e pediam o boicote a produtos indonésios jamais foram ouvidas pela mídia brasileira, sempre obediente ao capitalismo americano. Felizmente, o pequenino e gigante Portugal abraçou a causa e desenvolveu um trabalho humanitário jamais visto. De norte a sul, incluindo as ilhas, Portugal inteiro abraçou a causa. Toda a mídia portuguesa deu enorme destaque ao sofrimento do povo timorense.
Em 1997, após ganhar o Prêmio Nobel da Paz (em 1996), dividido com o Bispo de Dili, capital do Timor Leste, Dr. José Ramos-Horta esteve mais uma vez no Brasil, à procura de apoio para causa de seu povo. Deu palestra para uma diminuta platéia na Universidade Metodista Bennett e demonstrou-se decepcionado com a imprensa brasileira (que deu pouca importância a sua visita) a quem chamou de “omissa e arrogante”.
“Em São Paulo, procurei a revista VEJA, pois era intenção minha dar entrevista para as páginas amarelas. Fui informado, porém, de que a revista não estava interessada no assunto. Disseram eles que, no Brasil, ninguém sabia mais quem havia sido premiado com o Nobel da Paz, em 96, e onde ficava Timor Leste”. E prosseguia Ramos-Horta: “No entanto, fui procurado pela News Week, que não tem nenhum compromisso com a língua portuguesa, a quem dei entrevista de 5 páginas”.
Em setembro, após um referendum vitorioso, que não havia razão de existir, porque a comunidade internacional e a ONU reconheceram, desde 1975, a auto-determinação do povo Maubere, o Timor Leste era novamente invadido pelos bárbaros militares indonésios, que deram apoio irrestrito às milícias pró-Jakarta. Estes monstros, que mais pareciam aqueles lagartos carnívoros e famintos que habitam a ilha de Comodo, no arquipélago da Indonésia, destruiam tudo o que viam pela frente – desde casas até seres humanos. Várias pessoas tiveram as duas mãos cortadas. Crianças foram separadas de seus pais. Muitas delas tiveram seus corpos dilacerados. Outras foram enviadas momo animais para ilhas distantes. Milhares de cabeças humanas – separadas de seus corpos - foram encontradas ao longo da estrada que liga Dili a Liquiçá. A casa e a igreja do Bispo de Dili, D. Ximenes Belo, foram totalmente destruídas e ele teve de fugir para Darwin, na Austrália. Dezenas de padres e freiras eram o alvo predileto dos milicianos e foram covardemente assassinados. Muitos deles, juntos com lideranças independentistas, foram empalados por soldados indonésios e milicianos pró-Jakarta. (Empalar uma pessoa é atravessar-lhe o corpo, de baixo para cima, com um espeto de pau ou bambu). As freiras, geralmente, eram estupradas. Suas casas, suas igrejas e suas escolas foram transformadas em ruínas e destroços. A ordem era (e sempre foi, durante os 24 anos de ocupação) eliminar os falantes de Língua Portuguesa e qualquer resquício de cristianismo e implantar a língua indonésia e o islamismo.
Por que não houve logo uma intervenção da ONU ou da OTAN, em Timor Leste? Por que o Vaticano demorou tanto a tomar uma decisão? Não deveriam o Presidente Habibe, o General Wiranto, o exército indonésio e os milicianos pró-Jakarta ser julgados por crime contra a Humanidade? Isto ainda não aconteceu porque os EUA foram o principal exportador de armas e de treinamento militar para a Indonésia, durante 24 anos, e o julgamento extender-se-ia aos EUA e a outros países que apoiaram a ocupação indonésia. Segundo o Jornal do Brasil de 10.8.1999, “Uma fonte anônima do governo [americano] disse ao jornal [New York Times] que, para os EUA, era mais importante preservar o relacionamento com uma ‘nação rica em minerais, com 200 milhões de habitantes, do que se preocupar com o destino de Timor, território paupérrimo de 800 mil habitantes’ ”. Para o capitalismo, repetimos mais uma vez, os interesses econômicos estão acima de vidas humanas. Além do descaso das grandes potências do mundo, estamos diante de mais uma cena bárbara de racismo: aquele povo não vive nos Bálcãs, não é europeu, não tem cabelos loiros e olhos azuis e falam maubere e português. A geografia não oferece um bom espetáculo pirotécnico para os EUA mostrarem a sua força. Por isto, as nações ocidentais retardaram a lhes dar ajuda internacional. (*)
Nelson Marzullo Tangerini, 53 anos, é escritor, jornalista, poeta, compositor, fotógrafo e professor de Língua Portuguesa e Literatura. É membro co Clube dos Escritores Piracicaba [ clube.escritores@uol.com.br ], onde ocupa a Cadeira 073 – Nestor Tangerini.
nmtangerini@gmail.com, nmtangerini@yahoo.com.br
(*) Enviado aos principais jornais do Brasil, este texto só foi publicado no jornal LETRA LIVRE, Ano III – no. 25 – 1999 - págs. 3 e 4.