o caminhão de gás e o cão
Cada vez que o caminhão, carregado com botijões de gás, passava perto de casa, tocando uma melodia (ballade pour adeline, uma melodia muito agradável de se ouvir) eu percebia que os cães da rua começavam a ladrar, pois, como é óbvio, o som lhes chamava a atenção. Eram latidos graves, outros agudos, e um sempre me chamava a atenção: parecia o uivo de um lobo (AAuuuu....AUUuuuuuu!!..) A princípio me achei atormentado por aquele barulho, diferente, estranho. Mas, acho que por isso mesmo, me chamou a atenção com o passar do tempo... e eu fui me acostumando com o seu uivar. Parecia que eu me identificava com ele, mesmo sem conhecê-lo, apesar de morar a poucos metros de casa.
Cada vez que aquele caminhão estava chegando, mesmo longe, já se percebia a melodia (uma melodia agradável, que não agride os ouvidos) eu imaginava que dalí a pouco aquele cão começaria a uivar, um uivo manso, sereno, não era como o latido barulhento dos outros cães, parecia um uivo solitário, melancólico e triste (acho que por isso me identifiquei com ele). Mas eu nunca ví esse cão. Ele ficava numa casa que era totalmente fechada por muros e por um portão de madeira, de forma que não dava pra ver nem como era a fachada da casa. Parecia uma fortaleza.
Certo dia, porém, o caminhão de gás passou e como sempre os cães ladravam. Lembrei-me logo dele, por ser diferente o seu latido. Mas eu não o ouví uivar. Um outro dia o caminhão passou novamente e de novo, em meio ao barulhento ganido dos cães, não o ouvi uivar. Por curiosidade, outro dia fui bater àquela casa (que é isso que estou fazendo? Estou maluco? O que irei perguntar... sobre o cão? Que tolice!)
-Ah, o meu cão ?!? Sabe, moço ele já estava velho, muito velho. Nos últimos tempos ele já nem levantava mais, só uivava... ah, e sempre quando passava o caminhão de gás! Ele... ele morreu!!
Minha garganta engasgou.
-Meu querido e velho amigo Bob – disse, pesarosamente, com o olhar vago como a procurá-lo em algum lugar. Eles pareciam se identificar.
Sem palavras, sem conseguir pronunciar qualquer coisa, simplesmente batí carinhosa e solidariamente nos ombros daquele senhor, que mal conhecia como a compartilhar a dor com ele. Foi como se chorássemos juntos por dentro. Sem conseguir balbuciar palavra alguma, saí, e ele entendeu por que não consegui dizer-lhe nada. Sentiu que eu também estava triste. Por que não fui conhecer aquele cão antes, que era diferente dos demais, talvez nos tornássemos amigos... não, não, se o tivesse conhecido talvez estivesse sofrendo mais ainda por termos sido amigos. Ficariam lembranças que me marcariam ainda mais. Não sei que cor era o cão, sua raça, o tamanho, enfim...
Só guardei o seu uivo, que melancólico e triste ecoava pela rua e vinha até meus ouvidos, como que querendo dizer algo ou apenas acompanhar o ladrar dos outros cães. Mas um ladrar que se destacava dos demais.
Às vezes quando o caminhão de gás passa pela minha rua, logo me vem a lembrança, então tapo os ouvidos, talvez por que eu queira que seu uivo ainda continue vivo nos meus ouvidos, na minha mente.
caçapava, 28/10/08