O pecado
de José de Alencar
Nos últimos dias, uma pequena parte da imprensa vem sentando o cacete no escritor José de Alencar.
É o caso de uma revista de circulação nacional que chegou a chamá-lo de "o romântico cínico".
Não satisfeita, disse ainda que Alencar "era um escritor quando muito medíocre" e "um ser humano abominável"!
Assertivas partidas de uma revista que, ao longo de sua existência não se empenhou em se manter num irretocável comportamento ético.
O que me permite dizer que lhe falta autoridade moral para bater, nos termos em que fez, no extraordinário escritor cearense.
*** *** ***
Mas, afinal, o que teria provocado esta tempestade de indelicadas críticas ao autor de O Guarani? Respondo: a publicação das Cartas a Favor da Escravidão - missivas de José de Alencar enviadas a D. Pedro II entre 1867 e 1868 - condenando o propósito do imperador de abolir a escravidão no Brasil.
Em outras palavras, o posicionamento ostensivamente escravagista do autor de Iracema.
Alencar, aceitando-se o que dizem seus biógrafos, tinha um temperamento difícil.
Era um político reacionário, conservador, e no seu dia-a-dia mostrava-se uma pessoa ranheta, amarga; em determinados momentos, agressivo.
Leia, o caro amigo, o que sobre ele escreveram o saudoso jurista baiano Luís Viana Filho em A Vida de José de Alencar; e, mais recentemente, o jornalista cearense Lira Neto, in O inimigo do rei.
É evidente que o romancista José Alencar não é um "cínico"; não é um escritor medíocre; não é um ser humano abominável, como declarou a revista ao noticiar a chegada às livrarias das Cartas a Favor da Escravidão.
Seus biógrafos não o identificam como tal. Classificar José de Alencar como um escritor medíocre é menosprezar sua fantástica e atraente obra.
Numa síntese formidável, assim o escritor Josué Montello se referiu à produção literárias do romancista alencarino:
"Alencar não queria ser apenas o historiador da sociedade de seu tempo, como o criador da Comédia Humana: chamara a si a pintura geral da vida brasileira, nos três períodos que a compunham - a primeira da vida aborígene, com Iracema e Ubirajara; a pintura da vida colonial, com O Guarani e As minas de prata; a pintura da vida imperial, tanto rural quanto urbana, com Lúciola, Diva, Senhora, A pata da gazela, Cinco minutos, Til, A viuvinha, O tronco do ipê, Sonhos d´ouro, O gaúcho, Encarnação, O sertanejo."
*** *** ***
É difícil entender o posicionamento de José de Alencar contrário à abolição da escravatura.
De um cearense, era a última coisa que se podia esperar. Muito antes da Lei Áurea (1888), o Ceará já houvera libertado, oficialmente, seus escravos.
Foi por isso chamado de "Terra da luz" por José do Patrocínio, em inflamado discurso pronunciado em Fortaleza, dando seguimento à campanha pela Abolição.
Alencar poderia, desde o primeiro momento, ter empunhado essa bandeira.
Porque não o fez, pe-cou! Deve, por isso, ser criticado. Criticado, mas nunca condenado, injuriado.
Ele não foi um abolicionista e disse por quê. Não enganou.
É bom lembrar, que Alencar morreu em 1877. E que somente em 1881 nascia no Ceará o movimento pela extinção das senzalas.
Também o que não pode é ele, como escritor, ser alvo de exacerbadas críticas.
Machado de Assis ( também acusado de não ter agarrado, com unha e dente, a causa abolicionista) sobre o romance Iracema, escreveu: "Quem o ler uma vez, voltará muitas mais a ele, para ouvir em linguagem animada e sentida, a história da vírgem dos lábios de mel. Há de viver este livro, tem em si as forças que resistem ao tempo e dão plena fiança do futuro."
É preciso, pois, cuidar para que a exuberante obra literária do querido escritor cearense não seja inapelavelmente lançada na lata do lixo, só porque, no século 19, ele não condenou a escravidão.
Alencar morreu em 1877. E, como disse, só em 1881 nascia no Ceará o movimento pela extinção das senzalas.
de José de Alencar
Nos últimos dias, uma pequena parte da imprensa vem sentando o cacete no escritor José de Alencar.
É o caso de uma revista de circulação nacional que chegou a chamá-lo de "o romântico cínico".
Não satisfeita, disse ainda que Alencar "era um escritor quando muito medíocre" e "um ser humano abominável"!
Assertivas partidas de uma revista que, ao longo de sua existência não se empenhou em se manter num irretocável comportamento ético.
O que me permite dizer que lhe falta autoridade moral para bater, nos termos em que fez, no extraordinário escritor cearense.
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Mas, afinal, o que teria provocado esta tempestade de indelicadas críticas ao autor de O Guarani? Respondo: a publicação das Cartas a Favor da Escravidão - missivas de José de Alencar enviadas a D. Pedro II entre 1867 e 1868 - condenando o propósito do imperador de abolir a escravidão no Brasil.
Em outras palavras, o posicionamento ostensivamente escravagista do autor de Iracema.
Alencar, aceitando-se o que dizem seus biógrafos, tinha um temperamento difícil.
Era um político reacionário, conservador, e no seu dia-a-dia mostrava-se uma pessoa ranheta, amarga; em determinados momentos, agressivo.
Leia, o caro amigo, o que sobre ele escreveram o saudoso jurista baiano Luís Viana Filho em A Vida de José de Alencar; e, mais recentemente, o jornalista cearense Lira Neto, in O inimigo do rei.
É evidente que o romancista José Alencar não é um "cínico"; não é um escritor medíocre; não é um ser humano abominável, como declarou a revista ao noticiar a chegada às livrarias das Cartas a Favor da Escravidão.
Seus biógrafos não o identificam como tal. Classificar José de Alencar como um escritor medíocre é menosprezar sua fantástica e atraente obra.
Numa síntese formidável, assim o escritor Josué Montello se referiu à produção literárias do romancista alencarino:
"Alencar não queria ser apenas o historiador da sociedade de seu tempo, como o criador da Comédia Humana: chamara a si a pintura geral da vida brasileira, nos três períodos que a compunham - a primeira da vida aborígene, com Iracema e Ubirajara; a pintura da vida colonial, com O Guarani e As minas de prata; a pintura da vida imperial, tanto rural quanto urbana, com Lúciola, Diva, Senhora, A pata da gazela, Cinco minutos, Til, A viuvinha, O tronco do ipê, Sonhos d´ouro, O gaúcho, Encarnação, O sertanejo."
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É difícil entender o posicionamento de José de Alencar contrário à abolição da escravatura.
De um cearense, era a última coisa que se podia esperar. Muito antes da Lei Áurea (1888), o Ceará já houvera libertado, oficialmente, seus escravos.
Foi por isso chamado de "Terra da luz" por José do Patrocínio, em inflamado discurso pronunciado em Fortaleza, dando seguimento à campanha pela Abolição.
Alencar poderia, desde o primeiro momento, ter empunhado essa bandeira.
Porque não o fez, pe-cou! Deve, por isso, ser criticado. Criticado, mas nunca condenado, injuriado.
Ele não foi um abolicionista e disse por quê. Não enganou.
É bom lembrar, que Alencar morreu em 1877. E que somente em 1881 nascia no Ceará o movimento pela extinção das senzalas.
Também o que não pode é ele, como escritor, ser alvo de exacerbadas críticas.
Machado de Assis ( também acusado de não ter agarrado, com unha e dente, a causa abolicionista) sobre o romance Iracema, escreveu: "Quem o ler uma vez, voltará muitas mais a ele, para ouvir em linguagem animada e sentida, a história da vírgem dos lábios de mel. Há de viver este livro, tem em si as forças que resistem ao tempo e dão plena fiança do futuro."
É preciso, pois, cuidar para que a exuberante obra literária do querido escritor cearense não seja inapelavelmente lançada na lata do lixo, só porque, no século 19, ele não condenou a escravidão.
Alencar morreu em 1877. E, como disse, só em 1881 nascia no Ceará o movimento pela extinção das senzalas.