O PINTOR E A IMAGEM

Era inicio de primavera, as flores despertavam de seus sonhos outonais. Já não se podia ver a palidez das folhas secas, agora jazia ali o amarelo vivo das orquídeas dos parques e o rubro intenso das rosas do jardim. As cores ressurgidas neste tempo de muito me valia, pois o trabalho que exercia me exigia essa atenção cromática. Creio que um pintor que se preze ame em sua alma as cores que a própria vida lhe apresenta. Mesmo com a idade de dezenove anos, já era neste tempo um pintor de nome. Iniciei nas telas aos oito anos de idade, por influência de meu pai..

Através dos traços leves e do olhar perfeccionista me tornei referência para a alta sociedade. Políticos, professores, embaixadores, madames e afins, vinham de longe para comprar minhas obras. Não tinha gosto pela natureza morta, preferia a anatomia humana feminina. Buscava sempre modelos que pudessem posar para mim. Minhas escolhas se davam pelos traços corpóreos, era necessário que os ossos estivessem em evidências, o seio pequeno e a barriga em falta. Pintei dezenas e dezenas de magricelas; ruivas, morenas, loiras e mulatas.

O corpo feminino tornara-se para mim algo trivial, o desejo não me vinha à mente, tão pouco o peito palpitava pela nudez de uma mulher. Tantos e tantos corpos, que seios eram apenas seios e ventre apenas ventre. Enquanto homens gastavam seus salários nos prostíbulos de subúrbio para apreciar a nudez feminina, eu a tinha em banquete, porém tal delicia aos olhos de outrem era apenas objeto morto para mim.

Talvez lhe venha à mente a dúvida de minha virilidade masculina, porém adianto-lhe que deste mal nunca padeci, prova do que lhe afirmo é parágrafo a seguir.

Numa manhã atípica dessa mesma primavera chegou num carro elegante, uma madame de corpo arredondado procurando por mim.

Desci as escadas limpando minhas mãos no meu avental sujo de tinta. Deparei-me com uma senhorita de vinte cinco anos de corpo arredondado num vestido turvo, adornada no pescoço com um colar de perolas que fazia conjunto ao brinco da mesma pedra.

-Pois não? Disse eu prestativo.

- Muito me felicito em conhecê-lo, sou um grande admiradora de sua obra. Pois bem, queria servir de modelo para ti e estou disposta a pagar o quanto for. Assim creio que não há outro pintor com a sua competência, que me possa realizar tal sonho.

-Mas para quando seria?

-Para já! Disse ela em tom de repreensão. - Pago quanto for necessário para ser retratada por ti.

Subimos ao meu ateliê, tirei algumas bagunças da poltrona de modelos, e ela então sentou-se.

Perguntei se tinha preferência de pose, ela me disse que preferia sentada com as pernas cruzadas. Ajeitei a tela, fiz algumas correções em sua postura e comecei meu trabalho.

Caro leitor, não quero provocar o desejo alheio, porém o que veio a seguir foi de fato arrasador.

Meus olhos fitaram naquela senhorita, percorri dos olhos castanhos aos lábios carnudos, ao palidez davam maior beleza ao contorno dos tais lábios, que se faziam gigantes pelas dimensões que me acostumara a pintar. Com um pedaço de carvão esboçava seu pescoço, o colar de pérola se fazia justo, cada pedra tocava em abraço a pele, pedi para que tirasse o colar. Ela assim o fez. Desci ao seio e a quentura me tomou. Os pequenos e pontudos seios que minhas telas tanto viram, agora davam espaço aos fartos e redondos, não os via, apenas o decote que se faziam imensos. Porém o mistério me queimou por dentro. Aquele contorno que acabava no vestido, instigou o meu pensamento que desceu por entre o vão de um seio ao outro. Voltei aos olhos e percebi que os mesmo me sorriam.

Desci outra vez para os seios, para que assim terminasse o esboço. Contornei toda sua barriga, barriga essa que não sentia a ausência, mas sim a abundância de carne. Cada contorno que outrora sublinhava nas costelas das magricelas, agora me dispunha trabalhar em cada dobra de suas siluetas. Tais dobras mastigavam o tecido do vestido. Iniciei o desenho da cintura, foi neste momento que a tal senhorita cruzou suas pernas. Meus olhos acompanharam a perna direita arquear sobre o espaço, num tempo moroso sua perna viajou pelo ar. Antes de pousar tranqüila na coxa esquerda os meus olhos presenciaram o enigma. O escuro espaço que se abriu no movimento de suas coxas. Era ali um espaço vago e turvo que meus olhos lutaram em ver, porém a sombra do vestido me impedia o alcance. Aquele espaço que nas modelos magricelas eram pêlos expostos, na senhorita roliça era vago escondido. Os encontros das coxas fofas faziam-se trevas, que eu desejava explorar já molhado em prazer.

Lembro-me que pintei aquele quadro como nunca o fizera, escolhi os melhores tons, deitei em tela as melhores tintas, carreguei no pincel meus melhores traços. Levei tempos para terminar o trabalho. E cada segundo permanece em minha mente até hoje.

Desejei ardentemente aquela mulher, porém ela se foi, ficou o quadro. O paradoxo de desejar o que escondido e abundante ao invés de deleitar-se ao explicito e pouco que me fez tamanho capricho. Não lembro de seu nome, porém batizei tal quadro de MONA LISA.

Muito Prazer, me chamo Leonardo.

Samuel Boss
Enviado por Samuel Boss em 28/10/2008
Código do texto: T1252822