8 INVEJEI SER AVE
Um dia, em Porto Alegre, com as pernas bestando pelo centro da cidade, dei com uma pracinha cheia de voos. Havia-os na terra e no ar. Um tapete e uma nuvem deles, pombos alegres como crianças no recreio.
Eram aves primaveris dos mais variados matizes: pombos totalmente pretos ou brancos, aves lavradas, roxas, azuis, cinzentas, alaranjadas, verdes e vermelhas, amarelas, em arco-íris, pássaros de tonalidades diversas e inimagináveis.
Via de regra, como todos os humanos do planeta, os gaúchos são e se mostram arredios. E não gostam de jogar tempo, nem olhares, nem conversa fora com estranhos. No que fazem muito correto. Daí eles só me terem dado maior confiança quando, eventualmente, desfolhava o bolso, na hora de pagar o pato.
Contudo, sem lhes querer detratar a acolhida, e até aplaudo sua atenção, tchê, os gaúchos da minha “tour” maluca foram todos gente afável e hospitaleira. Como me serviam bem e gelada uma Polar Extra!
Linda aquela revoada de penas, eu parei de costado num banquinho da pequena praça, sob o austral sombreado das árvores. Um vidão de turista norte-americano ou escandinavo. Os transeuntes, então, passavam ao largo, e nem olhar de viés. Gentis, no entanto, as aves, estas botavam tarde movediça e colorida, numa chacota de festa, ao meu derredor. Um mar alado em torno de mim, que me deliciava à beça.
No ombro esquerdo, pousou-me o primeiro correio, depois, outro no direito. Um safardana, este mais ousado, aterrissou na cumeeira da minha pessoa. E aí eu já era uma península de penas e asas por todos os lados. Isto é, devo retificar que, sentado, e sendo agora península, claro que era poupado pelo assédio columbino justo na região dos fundilhos.
Cativado pelo colosso de pombal do lugarzinho anônimo, a cena romântica e o colóquio natural me fizeram lembrar a leitura juvenil de “O gaúcho”, de José de Alencar, cujo personagem central, o Manuel Canho, é um sujeito típico, manhoso, sempre assessorado por um educadíssimo e fogoso corcel bem criado nos pampas. Embora de espécies adversas, comparei como humanizados e camaradas do homem os dois tipos irracionais, pombos e cavalo.
Modéstia à parte, inquilino da espécie humana, eu, modestamente dito “racional, apreciei, com azeite nos olhos e cadeira de balanço na alma, aqueles entes miúdos, tão amigos, ternos e fraternos, a céu aberto, no olímpico viveiro que estava ali a poucos passos da notável Editora Globo (a original, anosa e legítima), montada na Rua dos Andradas.
Com o bucolismo às ventas, assim meio pateta e piegas, foi quando, pela única vez na minha vidinha nômade, invejei ser ave, bicho voador mas não abutre, igual àquelas pessoinhas animais. Elas, que ainda vivem em estado solidário, desfrutando aração de primeira. E em plena pança da natureza, meio ao melhor da urbanidade.
Em tempo: pombos correios bem disciplinados, pois no curto espaço de tempo que os tolerei, sobre mim, eles não me deixaram na roupa nenhuma carimbada.
Fort., 27/10/2008