Crônicas de Esquina 11 ( O Mago )
O MAGO
Em todos os quadrantes da Terra existem pessoas que se julgam portadoras de poderes. Dotadas de um Dom, essa nata conectada ao além realiza prodígios de maior ou menor monta, combinado antes a conta.
Os novos profetas do apocalipse pós-moderno são polivalentes na arte de prever e prover-se: tarô, búzios, runas, etc. A tecnologia é farta. Do espelho apaixonado por Branca de Neve ao lago traíra que afogou o incauto Narciso. Seja qual for o oráculo, suas licenças proféticas pintam o futuro com a tinta que os tolos escolhem. Decifram o indecifrável, colimam o incolimável. Cravam-se nos olhos dos consulentes como serpentes famintas. Olhos sagazes, perspicazes, surrupentos. Esses alquimistas de poder paralelo falam de ouro a um povo na idade do bronze, se muito. Escrevem livros com suas verdades veladas por linguagens cifradas. Outros escrevem livros que ajudam a elucidar os enígmas de um livro anterior e assim ao infinito. Livros de exercícios: Yoga, Piroga, Quidroga; livros de meditação transcendental e acidental. Livros de magia. Ao hebráico, juntam-se a pemba, as mandalas secretas do Egito e os atabaques da umbanda.
Fala-se, na esquina, de um velhinho que iniciara-se nos mistérios da Kabala. À certa altura da leitura, sabendo que todo significado estava em galgar a árvore sefirótica, não pegando bem a coisa, resolveu escalar a mangueira defronte a sua casa. Os vizinhos é que não entenderam quando viram o remoçado senil passar de Malkut – o chão – para os níveis superiores da Kabala tropical: Yesod – Hod – Netzah – o triângulo inferior, o plano astral. Plano de visões aterrorizantes, em cada um desses níveis havia uma meditação específica a fazer para alcançar o nome de Deus.
Nosso longevo neófito buscava o topo onde estaria Kether, a Coroa. Lá veria o que não pode ser visto por nenhum mortal; lá estaria Adão Kadmon.
Mas as dificuldades não eram poucas: galhos fracos, formigas raivosas, lagartas e mosquitos insaciáveis. Chegasse a noite e teria que enfrentar-se com passarinhos sonolentos e morcegos devoradores de manga.
Alcança o topo. Não vê a Coroa, mas a visão do Costa é límpida. Decepcionado, resolve descer, mas não consegue. Está demasiado cansado e o reino de Malkut se lhe torna inalcançável. Grita. Alguém escuta e liga para o Corpo de Bombeiros. Sirene ligada, calçada tomada. O soldado galga uma escada e retira o incauto que, sob os aplausos debochados da vizinhança, entra em casa. Tempos depois, refeito da travessura, vai ao Costa tomar uma para esquecer o ocorrido. Todos já sabem do ocorrido, mas fingem desconhecimento. O velho Athayde ataca:
E aí, velho, quer jogar? A malícia no sorriso.
Purrinha? Retruca um arrependido cabalista.
Nào! Tarô!
As gargalhadas explodem. O tresloucado sorri amarelo, volta para o copo e bebe até cair.
Aldo Guerra
Vila Isabel, RJ.