O BEIJA-FLOR
Quando meu filho trouxe nas mãos aquela pequena ave tão pequena e indefesa, vários pensamentos cruzaram em meu raciocínio lógico e os questionamentos sempre queriam saber que poderia ter feito tal atrocidade.
As perguntas que se sucederam nunca seriam respondidas, pois, segundo ele, encontrara a pobre ave debatendo-se na rua, já sem as penas da asa esquerda, além das penas do rabo que também haviam sido arrancadas.
Aquela ave tão pequena que enche os olhos de qualquer um que pode e sabe apreciar a beleza, das cores que se sucedem dentro de uma harmonia lógica e divina. Os tons de verde e azul, dentro de uma plumagem tão pequena, enchem os olhos e imagino o autor de obra de tanta beleza. Fico imaginando o deus responsável por esta criação.
Os detalhes das cores nas penas, as batidas do coração, a velocidade de seu vôo, podendo, inclusive, ficar quase que parado no ar, dando marcha à ré, durante o vôo. Outros tantos encantos que existem num animal de tão pequeno porte. Nestes momentos me vêm à cabeça o fato de ainda existirem alguns imbecis que dizem não acreditar em Deus.
Naquele mesmo momento, o meu pensamento de crítica e cobrança tentava encontrar o idiota que ousara proceder de forma tão brutal e violenta contra uma criatura tão pequena e indefesa.
As possibilidades de ter sido um gato ou mesmo outro animal de ter atacado, pareciam ser bem pequenas, pois se um gato tivesse atacado o beija-flor, com certeza, tê-lo-ia comido e nada mais além das penas teriam sobrado.
Quero acreditar que meu filho não teve nenhuma participação na mutilação do pobre animal, que, a partir desse dia, passou a ser mais um membro da família, usufruindo alimento que lhe era levado ao bico com uma pequena colher de chá.
Todos os cuidados foram efetuados, procurando, com isto, esperar que novas penas pudessem surgir para que ele voltasse a alçar vôo.
Nos três primeiros dias a água adocicada com açúcar, era o seu único alimento, porém com o passar de suas costumeiras tentativas de voar, resolvi comprar um litro de mel de abelhas para ser diluído em água e que pudesse ser servido como alimento.
Com o passar dos dias, os primeiros problemas que surgiram foi com suas pequenas unhas que ficaram presas aos fios do pano de algodão que lhe servia de passarela onde pudesse se acomodar e andar enquanto tentava alçar vôo.
Certa feita, as patas ficaram presas ao tecido e, por mais cuidado que se pudesse ter para livrá-lo dos enroscos, as pequenas pernas ficaram prejudicadas, pois se quebraram diante de nossa incapacidade de livrá-lo da armadilha.
Mesmo com as pernas quebradas foi possível mantê-lo vivo, com alimentação farta e continuada e mesmo com alternância entre mel e açúcar que eram diluídos em água filtrada. Por diversas vezes ao dia, exercitava as asas, tentando voltar a voar rumo às flores que se encontram em todos os lugares.
Quase que um mês se passou até dia 14/04/2004 pela parte da tarde, ele novamente alçou vôo, e livre do seu corpo atrofiado e maltratado pelo tempo que ficara preso em decorrência da falta de vôo.
Às vezes eu imagino aquele ser tão pequenino, voando dentro de casa, como se viesse para agradecer a minha dedicação e mesmo a obrigação que tinha de mantê-lo vivo até que pudesse completar o seu ciclo de vida.
Quando vejo outras aves da mesma espécie, velozmente passando por mim no quintal, me vêm as lembranças e por mais de uma vez as lágrimas rolaram por minha face. Era como se tivesse perdido um membro da família.
A pequena ave de rara beleza que veio habitar dentro de nosso lar, nos trouxe as esperanças e, com a sua morte, sinto que falta algo, como se um membro da família houvesse partido para as outras dimensões, onde devem existir milhares de beija-flores polinizando as flores e frutos que, um dia, poderão servir de alimento para o homem que conseguir chegar até aquele lugar.
Sempre que relembro, vejo a alma de um beija-flor sentar-se em meu ombro e de uma forma delicada bater suas asas como se estivesse tentando comunicar-se comigo e novamente acredito que valeu a pena tentar salvá-lo.
VEM- 19-04-2004