Solidão de Poema (Dia da Música)
Esta é uma vida de desencontros. Foi com essa afirmativa que o coroa foi se aproximando da rodinha do café, formada para interromper a cruel rotina dos escritórios
O cotidiano dos homens é de uma riqueza com veios inesgotáveis.
É nossa impressão que os grupos, como são formados por indivíduos, têm integrantes com características e desempenho de papéis muito semelhantes. Assim, quer seja um grupo familiar, de trabalho ou que se reúna periodicamente para realizar qualquer atividade, apresenta sempre indivíduos para desempenhar papéis semelhantes: “dono da verdade”, “chato”, “polêmico”, “pessimista”, “otimista”, “crítico”, “tímido”, ”prestativo”, ”omisso”, ”poeta”,” professor”, “médico”, “louco”, etc. A cada um cabe sempre mais de um desses papéis.
É bem provável que você já tenha pertencido a um grupo, no qual um coroa desempenhava o papel de crítico e professor e sempre com um caso para ilustrar suas críticas e seus ensinamentos.
Mas, como narrávamos, o coroa se aproximou e começou a contar um de seus muitos casos que, provavelmente, serviria de ilustração para sua afirmativa: “esta é uma vida de desencontros”.
Contou-nos que um de seus grandes amigos do tempo de colégio passou a escrever rimas, para esquecer que o tempo está ficando cada vez mais curto, para aqueles que passaram dos sessenta. Entretanto, essa nova atividade lhe trouxera uma grande frustração, pois ao fazer rimas gostaria também de compor as respectivas melodias.
Mas porque não as faz? indagou um dos membros da mais produtiva das reuniões que acontecem nos escritórios, a reunião para tomar o cafezinho e jogar conversa fora.
O coroa, como se estivesse vivendo o problema, respondeu que o analfabetismo musical e o desafinado das cordas vocais do amigo jamais o permitiriam.
É só arrumar uma parceria, sugeriu um outro apelidado de consultor, pois sempre apresenta uma solução.
Justamente é o que tenta fazer e já faz alguns anos, esclareceu o coroa. Acrescentou que o amigo tomou esse desencontro como tema e escreveu rimas: clamor de um poema para encontrar uma melodia, com ela compor e terminar com sua solidão
Em tom de lamúria o coroa disse mais: “ nesses quatro anos acompanhei a busca de meu amigo por melodias para suas rimas. Somente duas foram concluídas. Uma com aquele contínuo que saiu daqui para trabalhar com informática e outra com um de seus companheiros de peladas de basquete nos fins de semana”.
Uma expressão de desespero se apossou daquele rosto gordo e bonachão para afirmar que as esperanças do amigo para encontrar um parceiro estão aos poucos minguando.
O restante do grupo debandou, por não existir, certamente, qualquer interesse pela solidão de rimas carentes de melodias.
O coroa, colocando uma de suas mãos sobre meu ombro, concluiu: nesta vida os desencontros ocorrem até nas rodinhas para o cafezinho em escritórios.
O coroa me serviu mais um cafezinho e começou a ler as rimas de seu amigo – “Correio Sentimental”
Depois de terminar a leitura, puxou-me pelo braço como avisando que tínhamos que voltar ao desencontro do trabalho e, em quanto retornávamos, o coroa, companheiro de trabalho, crítico e professor, finalizou :
“ O pior de nossos desencontros é a solidão das rimas de nossas almas por não encontrarem as respectivas melodias universais de autoria de nossos espíritos ”.
“Correio Sentimental” é a correspondência de uma rima solitária invocando para que uma boa música com ele se una e conforte a solidão dos homens. É a tentativa de um fazedor de rimas tentar convencer um compositor, para a construção de uma parceria duradoura.
“ Correio Sentimental” são rimas de esperança de que os desencontros tenham um final feliz.
Correio Sentimental
Sou um solitário Poema,
que não consegue se fazer cantar.
Tenho rima e tenho tema.
Não tenho escola, sou popular.
Apesar de solitário,
paródia, não aceito ser.
Quero encontrar música virgem,
para compor até morrer.
Contrabaixo, violão,
piano ,bateria,
sob a melodia da alma
e no ritmo do coração
não deixem esta rima
continuar na solidão.
Poema sem música
é noite sem lua,
é Marília sem Dirceu,
é campo sem sombra.,
é praia sem onda