Serotonina, Cigarro e Batatas

Semana passada, sem ter muito que fazer, estava pensando em como a minha família é, no mínimo, excêntrica. Observando o banheiro reparei que bem ao lado do vaso sanitário, em vez de gibis, revistas, ou qualquer porcaria folheável, podíamos encontrar quase a série completa da revista “Saúde!” e um livro intitulado “Conexão Saúde”, escrito por Dr. Deepak Chopra, o mesmo autor de “A Cura Quântica” e “O Retorno do Rishi”. Ou seja, alguém que você nunca leu, muito menos cagando.

Acabei escolhendo de forma aleatória um dos exemplares da revista “Saúde!” cuja capa anunciava uma matéria sobre como amenizar os impactos do cigarro. Antes de ler a referida matéria, acabei lendo outra sobre como os alimentos podem interferir em nosso humor. Alimentos ricos em carboidratos, como batatas e massas, elevam a taxa de serotonina, neurotransmissor que, no cérebro, regula o prazer, o sono, o apetite e a nossa alegria. Portanto, ingerir pães, massas, arroz e outros alimentos ricos em carboidratos elevam o nosso bom humor por gerar uma sensação de felicidade. Com uma dieta dessas, você certamente será um gordinho feliz.

Deixando os carboidratos de lado, vamos à matéria sobre os efeitos do cigarro. Para aqueles que ainda fumam, recomendavam alimentos como brócolis, couve-flor, cogumelo e chá verde, por terem reconhecidos poderes anticâncer. Para quem já parou de fumar recomendavam a ingestão de pelo menos 02 litros de água por dia a fim de evitar aqueles indesejáveis quilinhos extras que tanto assombram os ex-fumantes.

Em primeiro lugar, essa história do tal brócolis inevitavelmente me lembrou do vídeo do Danilo Gentili. Segundo ele “chupar uma bala para tirar o gosto do cigarro depois de fumar seria a mesma coisa que acabar de peidar e sentar no sabonete”. Pensa comigo, quem come brócolis e fuma, deve comer porque acha gostoso. Se você faz parte da “geração saúde” comeria brócolis porque faz bem, mas obviamente não fumaria, pois faz mal. Agora, se você fuma e odeia brócolis, vai encher a cara de brócolis no almoço, pois evita câncer de pulmão, olha que bacana, para depois do almoço poder fumar relaxado? Mas é claro que comer brócolis depois de fumar tem lá a sua utilidade, como peidar e sentar no sabonete.

Agora vamos ao segundo ponto: os quilos extras que amedrontam principalmente as ex-fumantes. Inicialmente, comecei a pensar que boa parte das mulheres enfrenta o medo de ficar gorda a fim de terem filhos, a vontade de ser mãe supera o medo de ficar mais cheinha. Visando uma finalidade de maior importância supera-se o medo de engordar, afinal, você poderá perder os quilos extras após a maternidade. Seguindo esse raciocínio, não vejo sentido em não parar de fumar por medo de engordar, a finalidade de maior importância supera em muito a questão estética, se não vale à pena correr o risco de engordar para ficar viva então não sei para o que valeria. Antes ser uma gordinha viva do que uma magrinha morta.

Desanimada, pois apesar de ser fumante não me identifiquei com o perfil da matéria, fechei a revista e procurei outra coisa para ler. Resolvi arriscar o livro “Conexão Saúde”. O livro basicamente dispunha acerca de métodos para ativar as energias positivas do nosso organismo a fim de ter uma saúde perfeita. Acabei dando uma olhada no índice e achei um capítulo sobre álcool, drogas e cigarro. Apesar da má vontade inicial com a qual eu iniciei a leitura, meus preconceitos cederam à medida que virava as páginas do livro e confesso que fazia tempo que não achava algum texto sobre cigarro tão interessante.

O que mais havia me chamado atenção na matéria foi a forma pela qual o autor abordou a máxima de que “parar de fumar é difícil”, seja verdade absoluta ou mera crendice popular, o fato é que todos nós fumantes acreditamos nisso. E é exatamente isso que mais nos prejudica quando o assunto é largar o cigarro. Com a difusão da idéia de que parar de fumar é difícil, conceito muitas vezes exemplificado com descrições detalhadas da dependência física da nicotina, os médicos apenas dificultam as coisas. Contribuem para que atitudes e pontos de vista equivocados criem raízes na cabeça dos pacientes. Exemplificando, partindo do princípio de que parar de fumar é difícil, quando a pessoa tentar parar de fumar e não conseguir, usará essa máxima como uma desculpa para si mesmo. "É difícil parar de fumar, tudo bem se eu não conseguir."

Vendo por outro lado, se fosse difundida a idéia de que parar de fumar é fácil, basta querer, na primeira dificuldade a pessoa pensaria: “Por que justo eu não consigo? Todo mundo consegue! Eu também tenho que conseguir!” Todo fumante se cobraria bem mais e persistiria bem mais na tentativa de parar de fumar sem essa idéia enraizada na cabeça. Eu posso dizer isso com propriedade, eu sou fumante, sei como funciona essa desculpa nos momentos em que falhamos ao tentar parar de fumar. Claro que parar de fumar não é fácil, não tem como fazer de conta que é fácil apenas para incentivar os fumantes, mas prefiro acreditar que difíceis são as coisas que independem de nossa vontade para acontecer. Simplesmente acontecem e nós não podemos fazer nada em relação a isso. Como ser demitido. Muitas coisas na vida independem até mesmo de nossas ações. Aquelas que dependem de nossa única e exclusiva vontade são raríssimas. Você compra o cigarro, você o acende e você o fuma. É um ato unilateral e depende exclusivamente de nossa vontade, da nossa ação. Se você fuma porque sente vontade, também poderá parar quando sentir vontade. Se você falha ao tentar parar de fumar é porque você sequer consegue controlar suas próprias atitudes. Sem monstros e fantasmas, é apenas questão de tomar controle da sua vida.

Entretanto, apesar de concordar com quase tudo o que havia lido, eu ainda fumava. Não sentia medo de engordar, tampouco o medo de ter câncer me afastava do vício. Já havia tentado parar de fumar inúmeras vezes. Na verdade, desde que comecei a fumar sempre quis parar. Nunca gostei de cigarro, quando nova até mesmo abominava a “modinha do cigarro”, além de não entender como alguém fumava algo que fedia tanto. O fato é que nenhum não fumante entende como alguém consegue gostar de fumar. Um fato interessante sobre o cigarro é que a fumaça alheia sempre incomoda, até mesmo para os fumantes. Se você é fumante, mas naquele determinado momento não está com o cigarro acesso e tem alguém fumando bem ao seu lado, aquele cheiro horrível começa a incomodar. Quando você acender um cigarro para você, o cheiro da fumaça alheia para de ser perceptível e não lhe incomodará mais. Ou seja, nem nós mesmos fumantes gostamos da fumaça, muito menos da fumaça dos outros.

Lembro-me que comecei a fumar com 19 anos, por simples curiosidade, em uma época da minha vida em que colecionava besteiras e parecia entretida com o objetivo de afundar minha vida. Hoje consigo perceber que o cigarro fazia parte de uma série de coisas nocivas à minha vida e que vinha praticando sem perceber o quanto me fazia mal. Encontrava-me insatisfeita não só com o fato de querer parar de fumar e não conseguir, mas com várias coisas que estavam fora do lugar, quase tudo ao meu redor me desagradava. Trabalho, faculdade, amigos, saúde, namorado, tudo. No começo do ano perdi cinco quilos em um mês, sem dieta ou qualquer razão, desde então fiquei preocupada e resolvi largar o cigarro. Porém, no ambiente em que eu me encontrava era tudo tão difícil. Na época, dividia o apartamento com outros fumantes, pessoas que bebiam e faziam tudo errado em relação à saúde. Nos dias atuais estava decidida em passar o pente fino em toda a minha vida e detectar, um a um, tudo o que me fazia mal, para então cortar as ervas daninha.

Poderia elencar diversos fatores que me auxiliaram a largar o vício: a necessária mudança de hábitos exigiu mudança de ambientes, mudança de ambientes por sua vez resultou em morar em uma casa afastada dos centros comerciais e, diga-se de passagem, longe até mesmo do supermercado e da padaria, o que dificulta enormemente a compra de cigarros tendo em vista que eu teria que pegar ônibus para comprá-los. Achar um defeito maior do que o vício, no caso a preguiça, foi ponto estratégico em minha empreitada.

O primeiro passo foi parar de fumar em casa, até mesmo por respeito à minha família e porque até mesmo eu acho desagradável o cheiro de cigarro em cômodos fechados, ainda mais em meu quarto. Além disso, é desagradável deixar cinzas e cinzeiros espalhados pela casa. Por esta razão, quando sentia vontade de fumar me locomovia em direção aos lugares específicos para isso, ou seja, jardim e terraço. Na verdade, a grande sacada foi parar de fumar quando e onde eu queria. Poder sentar-se à mesa do computador e acender um cigarro, estudar fumando, ver TV fumando, todas essas coisas estragam qualquer um. Felizmente eu era a única fumante em minha casa, o que me ajudou muito. Além de não passar vontade, ao ver alguém fumando, também não poderia filar cigarro escondido ou ter um companheiro de vício, afinal, cigarro é um vício social e quase sempre é mais legal fumar acompanhado.

Além disso, comecei a me alimentar melhor, com alimentos mais saudáveis e parei de pular refeições, e principalmente, comecei a procurar outras formas de ocupar meu tempo. Visto que o cigarro desempenhava uma espécie de companhia. Por exemplo, “estou esperando o ônibus, não tenho nada para fazer logo vou fumar porque aí estarei fazendo alguma coisa.” Isso vale para todos os momentos de ócio em que sentia que acender o cigarro me ajudaria a passar o tempo. O segredo foi manter minha mente ocupada com outras coisas e tentar esquecer-me do cigarro o máximo possível.

Outra dica é não fazer substituições diretas, como, por exemplo, trocar o cigarro por chicletes. Isso não funciona porque você masca o chiclete imaginando que estaria fumando, só que como não pode fumar vai mascar chiclete. A idéia é desassociar o cigarro do seu dia a dia, tentar esquecê-lo. Mascar chicletes em vez de fumar vai manter o cigarro em seu subconsciente, ou seja, mais cedo ou mais tarde você vai cuspir o chiclete e pedir uma droga de cigarro. O ideal é tentar modificar tudo o que você conseguir, modifique trajetos, restaurantes, tudo que faça com que você se recorde do cigarro. Se for necessário até troque de ponto de ônibus. Busque distrações que sejam divertidas por si, não tentem buscar a partir do cigarro um substituto.

Não faz muito tempo que parei de fumar, precisamente desde sexta-feira passada, portanto prefiro não comemorar por enquanto. Apesar de que desta vez estou mais confiante do que nas outras vezes em que tentei largar o cigarro. Creio que tudo está ao meu favor e estou aproveitando as chances. Desta vez não estou partindo do princípio de que é difícil parar de fumar, mas sim do princípio de que eu consigo.

Sinto-me bem, apesar das eventuais tremedeiras e outros efeitos da abstinência como algumas oscilações no meu humor. Tendo em vista que estou há duas semanas morando com a minha mãe e a primeira coisa que ela fez ao me ver foi me entupir de comida, somando ao fato de ter parado de fumar e nos momentos em que antes fumava agora estou comendo, ainda bem que não tenho medo de engordar...

Pensando pelo lado positivo, ao menos meus níveis de serotonina vão subir. Ao vencedor, as batatas!