ÓRFÃO MAIOR
(Poet Ha, Abilio Machado. 261008)
Minhas menininhas cresceram, os dias foram passando e a casa está vazia... Cada uma com sua vida ainda a ser tecida entre as ramas da sociedade. Me apanhei tentando fazer uma faxina, coisas guardadas há muito e vez ou outra me deparava com algum recado de uma delas dizendo coisas lindas e uma lágrima acompanhava, algum desenhos minimalistas mas que fazem sangrar...
Minhas pequenas estão moças, não me perguntaram se podiam sair pela vida a viver... Começaram a conversar assuntos do dia comum, saíram literalmente das fraldas e se puseram a olhar nos olhos e dizer as palavras como lhes vêem... Assim na lata.
Com elas meus cabelos estão cãs. Ainda sou o mesmo? Eu também será que mudei? Será que esta diferença que vejo nelas são as minhas diferenças?
Amo-as tanto quanto a primeira vez que coloquei os olhos nelas, tão pequeninas na sala de parto no hospital, tive estes privilégios, assisti a todos eles... Lamento por um deles, minha enteada, talvez ela ao menos gostasse de mim...
Lembro dos detalhes do nascimento delas, de cada uma, e toda vez que a memória de velho me coloca à parede eu paro, respiro e me retornam cada instantezinho.
Sempre fui um pouco doido, ia às apresentações de ballet e fazia os gestos juntos, jogava bola, levava-as comigo sempre juntos, acho que cansaram... É possível terem cansado de mim?
Outro dia declamei que precisava me dar mais a elas, a nº 2 disse, não precisa não papito...
Eu nunca desejei solidão de minhas filhas, passo todo o tempo pensando nelas, como estão, que fazem, se alimentaram, precisam de mim, e as lágrimas teimam em me desobedecer e rolarem cada vez mais rápidas.
Meus minutos são de orações, é voltei a rezar...
Gostaria mesmo é que elas estivessem aqui... Olhando com aqueles olhinhos animados e a perguntar qual bagunça faria para o almoço ou jantar... Sempre costumamos a cozinhar juntos, era momento nosso, único...
Queria falar tanto, dizer o quanto eu as amo, o quanto sinto falta daquelas menininhas que iam comigo às reuniões da igreja, as apresentações do grupo de teatro, as minhas incursões às artes... Com quem eu partilhava minhas lágrimas e minha vida... Jamais lhes escondi meus segredos, minas dores, meus amores...
Onde estão minhas crianças?!
Eu estou talvez me sentindo só... Talvez os cachorros não sejam tão boa companhia assim...
Minha respiração, minha pele, meu coração... Envelhecem...
Hoje sou órfão... Um órfão maior, bem maior!