O Tempo e a Vida

O Tempo e a Vida

Fernanda Guimarães

Muitas vezes, deixamos que o tempo disponha de nós, quando deveríamos ser nós a nos servirmos dele. Inconscientes de que ele é tudo o que em última instância possuímos, acabamos por consentir que o desalento seja paisagem para o nosso olhar. Por agirmos desta forma, não vemos sua passagem com todos as maravilhosas aprendizagens que ele nos oferece.

E por não estarmos atentos às lições com as quais ele nos presenteia, às vezes entregamo-nos a dor e ficamos a observar o oceano da tristeza e o bater renitente das ondas da melancolia, porque vemos apenas no horizonte as cores esmaecidas do presente que nos contempla.

Mas a vida não possui a linearidade e exatidão que imaginamos, bem como o tempo não flui, como supomos. Ambos, o tempo e a vida podem sim ser uma tela, cuja nitidez depende das lentes que usamos para enxergá-la. Às vezes, ela é propositadamente desfocada para o nosso olhar. É a maneira que o universo encontra para dirigir nossa atenção aos mistérios do viver. Às vezes ela é dualidade; é caminho enviesado, para que nossos passos se descubram e reinventem o mundo e a nós próprios.

A vida é aliada do tempo, e o tempo é aliado da vida. Eles não são inimigos, como costumamos imaginar. Ao percebermos isso, podemos decidir se queremos ser seus aliados também. Esta decisão irá afetar para sempre nosso viver. Se decidirmos pelo “sim” poderemos degustar a vida como um refinado vinho, e o tempo, com o palato do nosso olhar. Se decidirmos pelo “não” viveremos para além do nosso próprio tempo, numa realidade distorcida e inconcebível. E por não estarmos conectados no “timing” do tempo e da vida, a felicidade escapará por entre nossos dedos, como a areia ressequida dos desertos escaldantes.

Assim, a felicidade está sempre ao nosso alcance, basta que procuremos sentir, além do presumível e do visível. A vida nos oferece esse caminhar pelo mundo do abstrato e das percepções, para que renovemos o nosso pacto de vivência e existência. Viagens que nos conduzem a lugares, onde a emoção é caminho de via única. E quando as fazemos, não nos é dado qualquer garantia, porque a vida é muito mais que sorrisos, certezas e planos bem elaborados.

E por não ser feito de certezas, o viver é também não se compreender totalmente e, ainda assim, não sofrer por isso. É aliarmo-nos à falta de respostas e arriscarmo-nos, entregando nossas dúvidas aos braços do tempo para que ele espalhe seu bálsamo sobre nossas preocupações.

Viver é talvez dispensar os recomendados conta-gotas dos prudentes ou a posologia arbitrada pelos manuais de sobrevivência. É também se expor às intempéries e permitir-se transpor portais, para que percebamos a brisa que despe a liberdade do sonhar.

É também um estar consigo mesmo. Rir-se com a própria solidão, mirando-nos sem qualquer temor, para que vejamos os tantos reflexos que nos espelhavam.

Haverá sempre uma parte de nós velada, inatingível aos olhos do mundo. Algo que se mantém atrás do nosso pensar, na obscuridade que devora qualquer transparência. E quando aprendermos também a nos ofertar silêncios, o tempo e a vida torcerão por nós e jogarão a nosso favor.