Liberdade é uma calça velha...
A semana passou como um vento minuano. Indomável. Ligeiro. Frio. Cortante...
Pelo vidro molhado da janela do carro avistei pessoas encolhidas sob os pontos de ônibus e pensei em como seria bom ter ficado em casa sob as cobertas... quentinho.
Levantar para que? Se ainda fosse para fazer um chocolate quente.
Mas não, a vida real havia me intimado, e assim eu seguia resmungando rumo àquela academia maldita que me aguardava com o seu desfile de brutamontes nada poéticos e de deusas insatisfeitas com suas formas generosas e lapidadas à suor.
Acordar cedo? Sentir frio? Academia? Gente esquisita? Céus, o que estou vivendo?
Ah, que saudade dos tempos em que eu achava que era hippie. Com meus chinelões de couro e cabelos nos ombros eu vagava por aí com meu violão e meus rabiscos. Cantava para a lua, versava para as moças e tocava canções que já esqueci.
Mas estas cachaças que atendem pelo nome de jornalismo e publicidade me atiraram no mundo dos normais.
Meus pés, antes timoneiros dos meus dias, agora fazem concessões e seguem pelo mundo a bordo de coloridos All Stars. E meu violão, velho cúmplice? Ah, aquele amigo anda esquecido e órfão de minha voz - sua inseparável companheira de outrora - com quem dividia canções como “Simple Man” (Lynyrd Synyrd) e “Ando Meio Desligado” (Mutantes). Hoje, ele presta seus serviços aos Jingles e às canções sob encomenda.
Chego à academia tremendo de frio e me deparo com a cena bizarra de um grupo de rapazes se atirando na piscina e felizes da vida por começarem a fazer os seus 1500 metros diários.
Senti uma enorme saudade dos banhos pelado no chafariz do primeiro Rock’n’Rio.
Ainda encolhido, sigo para o vestiário e encontro com aquela figura nefasta que atende pela alcunha de personal training:
- Vamos lá rapaz. Animação. Hoje vamos arrebentar! – vocifera o maníaco.
Ao castigar meus bíceps e tríceps, vejo uma mulher ruiva absolutamente perfeita. Sem nada para tirar nem pôr. Algo como um padrão Quitéria Chagas de perfeição (Tá bom, tá bom, eu sou suspeito para falar dessa minha eterna musa morena). Mas a ruiva era absolutamente linda. E no equipamento ao lado, ela resmungava com uma amiga:
- Eu tô malhando duas horas por dia, e há dias que eu como só frutas. Eu tenho que secar. Tenho que secar... Tenho que conseguir aquele trabalho – confessou a louca.
Cantei alto para ela ouvir: “Liberdade, Liberdade, abre as asas sobre nós...”
De volta ao vestiário, percebo que quase todos os outros “masoquistas” da academia, após o banho, vestem seus ternos e colocam suas gravatas apertadas. Seguirão para suas rotinas de estresse e briga com o tempo. Calço meu All Star verde como que fosse um símbolo da minha liberdade. Lembro que o Nando Reis gostava do all star azul da Cássia Eller...
Tenho que trabalhar. Acho que a sexta feira não vai acabar nunca mais... Lembro do meu edredom, e do chocolate quente, que não tomei. Será mesmo que eu sou livre?
Vou para a agência e encontro meu amigo André Dessandes, ainda sob o efeito de sua recente passagem por Florianópolis, onde segundo ele, as pessoas ainda são donas do seu tempo e preservam sua liberdade.
Aí me pergunto: Qual é a real imagem da liberdade? Liberdade e imagem combinam ou se contradizem? Se adequar a uma imagem, é se abster da liberdade?
Como por encanto, me lembro daquele velho jingle de uma calça jeans que dizia tudo: “Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada, que você pode usar do jeito que quiser...”
(Extraído da coluna do autor no site da agencia de comunicação RedCafé - "www.redcafe.com.br")